Todos os posts de Trab21

STF E LULA NA CONTRAMÃO DA CIVILIZAÇÃO: A COMUNIDADE EUROPEIA ENTRA EM ACORDO PARA A PROTEÇÃO REAL DOS TRABALHADORES EM PLATAFORMA

Rodrigo Carelli, coordenador do Trab21, professor de Direito do Trabalho da UFRJ

A Comunidade Europeia, superando impasses e oposições, chegou a um acordo e vai proteger os trabalhadores em plataforma, não somente na busca da correta classificação como empregados, bem como protegendo todos os que trabalham nas plataformas, empregados ou autônomos, em relação ao uso de inteligência artificial, dados e algoritmos. Esses são os dois eixos da regulação: combate às fraudes pelo uso de falsos contratos civis e proteção geral em face do uso de algoritmos e inteligência artificial. 

Nada poderia ser mais contrário ao que tem sido feito no Brasil, que está indo no sentido da destruição do direito do trabalho, tanto em relação ao que vem sendo feito no STF, quanto em relação ao projeto específico para motoristas em plataformas proposto pelo governo Lula que expressamente nega qualquer via de reconhecimento dos direitos trabalhistas fundamentais previstos na Constituição. Os dois projetos políticos, o europeu e o brasileiro, vão em sentidos completamente opostos: enquanto um pode ser visto como o mais avançado texto legal até agora para proteção dos trabalhadores em plataformas até o momento, o outro pode ostentar o título de vanguarda do atraso. Se o projeto europeu acordado busca o reconhecimento de direitos pela relação empregatícia, e a expansão dos direitos de proteção face à gestão algorítmica para os chamados independentes, o projeto brasileiro tem como ponto principal a negação do direito do trabalho e a concessão de meras migalhas, passando ao largo da regulação da inteligência artificial e do algoritmo.

A diretiva europeia pretende garantir direitos mínimos (de verdade) a quem trabalha para plataformas digitais e que, segundo os fatos, tenha um contrato de trabalho ou relação de trabalho como definida na lei ou nos contratos coletivos, levando-se sempre em consideração a jurisprudência da corte de justiça da comunidade europeia.

Ao contrário do projeto de lei brasileiro, a futura norma europeia traz conceitos consentâneos com a realidade. Não denomina ninguém de empresa operadora de aplicativo ou algo que o valha. A diretiva busca a realidade nos fatos. E é isso que é importante comparar com o Brasil, que vive um momento de terraplanismo jurídico, em que o STF pretende impor a prevalência do contrato sobre a realidade: o parágrafo segundo do art. 4º da diretiva dispõe que “a determinação da existência de uma relação de trabalho se baseia principalmente sobre os fatos relativos à efetiva execução do trabalho, incluído o uso de sistemas de decisão ou de monitoramento automatizados na organização do trabalho mediante plataformas digitais, independentemente do modo o qual a relação é classificada em um eventual arranjo contratual entre as partes interessadas”. Isso não é grande novidade, pois é justamente o que está disposto no parágrafo único do art. 6º  e no art. 9º da CLT, mas contra o negacionismo temos que sempre dizer “olhe para cima!” O projeto de lei do governo, denominado “PL da Uber” ou “projeto Nem-Nem”, vai no mesmo sentido da negação: no art. 5º, apesar de prever todas as formas de controle possíveis por meios automatizados, reconhece o poder de controle das empresas somente para o fim de negar a verdadeira condição de empregados. É surreal, mas é bem real. A exposição de motivos da diretiva explica bem direitinho para o STF e para o Lula o que está em jogo: “O controle e a direção podem assumir diferentes formas, tendo em conta que o modelo de economia das plataformas está em constante evolução; por exemplo, a plataforma de trabalho digital pode exercer a direção e o controle não só por meios diretos, mas também através da aplicação de sanções ou outras formas de tratamento desfavorável ou pressão.”

Para isso, vigora na norma europeia “o princípio da primazia dos fatos, segundo o qual a determinação de existência a existência de uma relação de trabalho se deverá basear principalmente nos fatos relacionados com a execução efetiva do trabalho, incluindo a sua remuneração, e não na descrição da relação de trabalho pelas partes, em conformidade com a Recomendação n.º 198 da OIT sobre a Relação de Trabalho (2006), é particularmente pertinentes para o trabalho nas plataformas digitais, em que as condições contratuais são frequentemente determinadas unilateralmente por uma das partes.” Justamente o contrário do que preveem as decisões do STF e o projeto de lei complementar do governo, que buscam criar uma ficção de trabalho autônomo só no papel. No todo, o que se defende no Brasil é um faz de conta: faz de conta que dá algum direito e  faz de conta que o trabalhador é um autônomo.

O parágrafo primeiro do art. 5º da diretiva preverá a presunção relativa de relação de emprego sempre que a “relação contratual entre uma plataforma de trabalho digital e uma pessoa que desenvolve seu trabalho mediante tal plataforma seja uma relação de emprego quando se encontrarem fatos que indicam um poder de controle ou direção, conformemente ao direito nacional e à jurisprudência da corte de Justiça.” O ônus de refutar a presunção legal é da plataforma, cabendo-lhe demonstrar que não existem na realidade os elementos indicadores da relação de emprego. O parágrafo segundo ainda prevê que a presunção legal deverá servir para facilitar processualmente os trabalhadores no reconhecimento judicial de sua condição, que é um direito instrumental reconhecido expressamente na diretiva no parágrafo quarto do art. 5º da diretiva, bem ao revés do sistema que o STF vem implantando no Brasil, que pretende evitar que os trabalhadores tenham direito de desafiar a natureza contratual na Justiça do Trabalho. Assim, a presunção legal é garantia de acesso à justiça substancial dos trabalhadores.

Bem diferente do caso brasileiro, as autoridades europeias estão preocupadas com a gestão algorítmica do trabalho realizada pelas empresas. O STF ignora esse fato, que é quase constitutivo do século XXI, e o projeto de lei do Lula chega às raias do absurdo de legitimar e garantir esse poder sem qualquer sem qualquer controle ou contrapartida. Na lei brasileira, em seu art. 5º, há a listagem de todo tipo de poder empregatício realizado pelas empresas, diretivo, disciplinar e punitivo, inclusive por meio de gestão algorítmica, afirmando-se que todo esse poder é permitido às empresas sem necessitar que os trabalhadores tenham direitos trabalhistas. A diretiva avança na proteção de dados pessoais na gestão algorítmica para além da norma europeia de proteção de dados para os cidadãos em geral. E mais: a proteção em face dos algoritmos será para todos os trabalhadores, sejam considerados empregados ou não. Isso é que é realmente autonomia com direitos. Essa sim poderia ser enviada ao Biden e ao Lula. 

A diretiva proíbe que as empresas, por meio de sistemas automatizados de monitoramento ou tomada de decisões tratar dados pessoais sobre o estado emocional ou psicológico dos trabalhadores, tratar dados pessoais relacionados com conversas privadas ou com colegas ou representantes dos trabalhadores; recolher dados pessoais fora do âmbito do trabalho; e tratar dados pessoais para prever o exercício de direitos fundamentais, principalmente os sociais, como liberdade sindical, direito de negociação ou ações coletivas ou direito de informação e consulta (art. 7º). As plataformas também estão proibidas de tratar dados para inferir raça ou etnia, condição de migrante, convicções religiosas ou filosóficas, deficiência ou estado de saúde, estado emocional ou psicológico, filiação sindical, vida ou orientação sexual. Da mesma forma, é proibido o tratamento de dados biométricos para compará-los com outros bancos de dados.

O projeto de lei brasileiro dos motoristas da plataforma, apesar de prever o princípio da transparência, acaba reduzindo-o às informações a posteriori relativas ao cálculo da remuneração, em uma forma de contracheque discriminado. No projeto europeu, a transparência é realmente levada a sério. É exigido que as empresas que se utilizam de sistemas automatizados de monitoramento ou tomada de decisões informem aos trabalhadores, aos sindicatos e às autoridades o uso desses sistemas (art. 9º, 1), todos os tipos de decisão que são tomados pelos sistemas, inclusive aqueles que não se relacionam significativamente com o trabalho, e, sobre o monitoramento, quais categorias de dados e ações que são monitorados, supervisionados ou avaliados por esses sistemas, inclusive as avaliações pelos destinatários do serviço, qual o objetivo do monitoramento e a forma como deverá ser atingido, e os destinatários dos dados pessoais tratados por esse sistema e qualquer transmissão ou transferência desses dados pessoais, inclusive se se tratar de um mesmo grupo empresarial.

Será obrigatória a supervisão humana dos sistemas automatizados, com participação dos representantes dos trabalhadores e, de dois em dois anos, devem realizar uma avaliação do impacto das decisões tomadas em sistema automatizado nas condições de trabalho e na igualdade de tratamento de trabalho (art. 10, 1). Caso o resultado da avaliação seja a verificação de um alto risco, a empresa é obrigada a tomar todas as medidas necessárias, incluindo a modificação do algoritmo, para evitar tais problemas no futuro. Todas essas informações devem ser disponibilizadas aos trabalhadores e às autoridades competentes. Toda decisão de restringir, suspender ou pôr termo à relação contratual deve ser tomada por um ser humano. (art. 10, 5).

A diretiva prevê que os trabalhadores têm o direito de obter, sem demora injustificada, uma explicação sobre qualquer decisão tomada ou apoiada por um sistema automatizado, com linguagem clara e simples, podendo pedir a sua revisão. Se a decisão violar algum direito, deverá ser retificada pela empresa em até duas semanas. Caso não seja possível, deverá oferecer uma indenização ao trabalhador pelos danos sofridos. Em qualquer caso, deverá modificar o algoritmo para que as lesões não aconteçam. A diretiva também se preocupa com o impacto do algoritmo na saúde dos trabalhadores, que deve ser avaliado em relação aos riscos de acidentes de trabalho, psicossociais e ergonômicos e introduzir medidas de prevenção e proteção adequadas (art. 12) . As empresas estão proibidas de utilizar os sistemas automatizados para exercer pressão indevida sobre os trabalhadores ou que ponham em risco a segurança e a saúde física e mental dos trabalhadores. 

Os Estados também receberão das plataformas todo tipo de informação, como o número de pessoas que trabalham, por nível de atividade, situação contratual ou estatuto profissional e os termos e condições gerais fixados, além de informações sobre as horas trabalhadas e os intermediários com quem as plataformas mantêm relação contratual. No caso brasileiro, há previsão de fornecimento de informações à Receita Federal e à inspeção do trabalho, mas sem a descrição de quais dados terão que ser fornecidos.

O art. 21 da diretiva ordena que os tribunais nacionais e as autoridades competentes podem exigir das plataformas todos os elementos de prova pertinentes que estejam sob seu controle, inclusive elementos de prova que contenham informações confidenciais, devendo proteger essas informações. Isso evitaria certa jurisprudência no Brasil que impede que juízes tenham acesso aos dados do algoritmo.

Os estados-membros terão dois anos para inserirem em suas legislações nacionais os dispositivos da diretiva.

Assim, estamos perante dois tipos opostos de regulação: a brasileira, com os olhos grudados no retrovisor, tentando a volta para um passado longínquo de desproteção e exploração total; a europeia, com os olhos fixos no presente, debruçando-se sobre as questões espinhosas de nosso tempo com mecanismos adequados. Percebe-se bem que são dois projetos de futuro bem diferentes.O Brasil, seguindo sua sina de país colonizado (ou autocolonizado) e a Europa lutando para manter as conquistas civilizatórias. Ao que parece, duas palavras podem definir projetos tão díspares: barbárie e civilização.

Publicado originalmente no Jota: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stf-e-lula-na-contramao-da-civilizacao-15032024

Solidarity Letter Brazilian Labour Law

The Brazilian Supreme Court is currently discussing a case that will severely impact labour rights in this country.  We, academics and researchers the world over, are sending out a warning signal and would like to reach as many colleagues as possible. In just a few weeks, when first circulated, this letter was endorsed by 600 academics in 40 countries across all disciplines.

At the end of February 2024, the full court was scheduled to rule on the classification of employment relationships of  digital platform workers. The first part of the decision has already been rendered and the court has ruled that it has general jurisdiction, meaning that the decision made in this case will be binding for all Brazilian judges. No date has been set for the resumption of judgement. It appears that this will depend on the proceedings of a bill on work for ride-hailing digital platforms drivers that has been submitted by the government to the Brazilian congress. According to recent Supreme Court rulings, statements by its justices and press reports, the will of the Supreme Court is to issue a ruling with binding effect for all judges in Brazil, who would be prevented from reclassifying contracts to recognise the existence of an employment relationship in platform work – whatever the platform, whatever the economic sector in which the company operates and whatever the control it exercises over its workers. 

If such a decision is taken, it will affect the fight for the rights of all platform workers, who academia has shown are workers in need of fundamental rights, subjected to terrible living and working conditions, despite the presence of various forms of control by the platforms, including algorithmic subordination, as recognised by Brazilian law and the Brazilian highest labour court in its latest rulings.

Such an outcome is very likely, in view of recent Supreme Court rulings whose scope extends beyond platform work. What the Supreme Court has been deciding, in non-binding decisions, is that once a civil contract has been signed, the facts no longer matter: this circumvents the jurisdiction of the Labour Court to take into account the reality of the facts and thereby constrains it to limiting its judgement to the formal, civil contract. Thus, in the final analysis, the thesis will not only affect digital platform workers, but will apply to virtually any worker.

Such a thesis is not only an offence to Brazilian law, which states that any contractual arrangement aimed at preventing the application of labour laws is null and void. It is also in violation of  Recommendation 198 of the International Labour Organisation, which states that the employment relationship must be verified on the basis of facts. The reality of the facts is a worldwide principle of labour law.

The likely adoption of the thesis being drawn up by the Supreme Court is also in contradiction with the binding jurisprudence of the Inter-American Court of Human Rights, which provides that States must recognise workers as employees if they are de facto employees, with factual reality prevailing over the nomen juris adopted in the contract.

If this thesis is adopted, Brazil will be departing from the widely recognised and implemented practice of courts worldwide and will be violating a series of human rights treaties it has signed.

The consequences will be catastrophic. The possibility of signing civil contracts without enjoying labour rights will mean that all employers will require their employees to sign civil contracts just to escape labour protection. This will exponentially increase practices that are already underway in Brazil: the mass evasion of labour law through fraudulent contracts is today only prevented by the actions of labour protection institutions, including the Labour Court, which would be completely emptied of its institutional functions if the trend is adopted as a definitive and binding thesis. As has also been happening, the fight against contemporary slave-like labour will be severely affected, as employers will enter into formal civil contracts with workers and doing so to avoid the interference of the Labour Courts, the Labour Inspectors, the the Labour Prosecutor’s Office and to prevent labour unions from forming and operating. All the social protection and fundamental rights provided for in the Constitution and in human rights treaties will simply be stripped away, as there will be no more employees, at least formally recognised ones. All rights relating to gender, safety and health at work and all kinds of anti-discrimination will be rendered ineffective. Income inequality, with a huge drop in the share of wages in the economy, has skyrocketed in recent years precisely because of this process of eschewing labour law and the 2017 labour reform, will soon explode. 

We are convinced that Brazil is becoming a laboratory for the future  total commodification of the employment relationship and the destruction of labour law.

The Brazilian Supreme Court should be warned at the outset that doing so will violate ILO Recommendation 198, which, contrary to the Supreme Court’s latest rulings, requires states to combat false civil contracts that attempt to mask genuine employment relationships. It will also violate the binding and obligatory decision of the Inter-American Court of Human Rights, which aims to enforce the labour human rights that Brazil has agreed to enforce. It will also breach all the international agreements to which Brazil is a signatory and which provide for a series of labour rights, such as the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights, which provide for universal human rights for workers in a broad sense, not a fictitious construction that restricts them to a small portion of the working population.

We academics and researchers hereby send out this warning signal of the consequences of the thesis that is on the verge of being adopted by the Brazilian Supreme Court, adding that the international human rights courts should be solicited  in favour of the enjoyment of human rights at work by Brazilian workers to condemn the Brazilian state for the actions of the Brazilian Supreme Court, if it maintains the course of the decisions it has been taking that undermine these fundamental rights.

Please spread the word and wage the campaign as widely as possible and keep in touch so we can build this campaign.

The academics and researchers signed below agree with the above statement. If you want to endorse the letter, please insert your name, academic identification, institution and country at the end of the list.

Please send all information about campaigns underway to: Brazilian Labour Law defendbrazilianlabourlaw@gmail.com

O Supremo Tribunal Federal está discutindo atualmente um caso que afetará gravemente os direitos trabalhistas no país.  Nós, professores e pesquisadores de todo o mundo, estamos enviando um sinal de alerta e gostaríamos de alcançar o maior número possível de colegas. Em apenas algumas semanas, quando circulou pela primeira vez, esta carta foi endossada por 596 acadêmicos de 40 países em todas as disciplinas.

No final de fevereiro de 2024, o Tribunal Pleno do STF deveria se pronunciar sobre a natureza do vínculo dos trabalhadores de plataformas digitais. A primeira parte da decisão já foi proferida e o tribunal decidiu que tem jurisdição geral, o que significa que a decisão tomada nesse caso será obrigatória para todos os juízes brasileiros. Não foi definida uma data para a retomada do julgamento. Aparentemente, isso dependerá da tramitação de um projeto de lei sobre trabalho para motoristas de plataformas digitais de carona que foi apresentado pelo governo ao Congresso brasileiro. De acordo com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, declarações de seus ministros e notícias da imprensa, a vontade do Supremo Tribunal Federal é emitir uma decisão com efeito vinculante para todos os juízes no Brasil, que seriam impedidos de reclassificar contratos para reconhecer a existência de uma relação de emprego no trabalho em plataforma – qualquer que seja a plataforma, qualquer que seja o setor econômico em que a empresa opera e qualquer que seja o controle que ela exerce sobre seus trabalhadores.

Se tal decisão for tomada, afetará a luta pelos direitos de todos os trabalhadores de plataformas, que a academia tem demonstrado serem trabalhadores carentes de direitos fundamentais, submetidos a péssimas condições de vida e de trabalho, apesar da presença de várias formas de controle pelas plataformas, incluindo a subordinação algorítmica, conforme reconhecido pela legislação brasileira e pelo Tribunal Superior do Trabalho em suas últimas decisões.

Esse resultado é muito provável, tendo em vista as recentes decisões da Suprema Corte, cujo escopo vai além do trabalho em plataformas. O que a Suprema Corte vem decidindo, em decisões não vinculantes, é que, uma vez assinado um contrato civil, os fatos não importam mais: isso contorna a jurisdição da Justiça do Trabalho para levar em conta a realidade dos fatos e, assim, restringe-a a limitar seu julgamento ao contrato civil formal. Portanto, em última análise, a tese não afetará apenas os trabalhadores de plataformas digitais, mas se aplicará a praticamente qualquer trabalhador.

Tal tese não é apenas uma ofensa à legislação brasileira, que afirma que qualquer acordo contratual que vise impedir a aplicação das leis trabalhistas é nulo e sem efeito. Ela também viola a Recomendação 198 da Organização Internacional do Trabalho, que afirma que a relação de emprego deve ser verificada com base em fatos. A realidade dos fatos é um princípio mundial do direito trabalhista.

A provável adoção da tese que está sendo elaborada pelo Supremo Tribunal Federal também está em contradição com a jurisprudência vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que prevê que os Estados devem reconhecer os trabalhadores como empregados se eles forem empregados de fato, prevalecendo a realidade fática sobre o nomen juris adotado no contrato.

Se essa tese for adotada, o Brasil estará se afastando da prática amplamente reconhecida e implementada pelos tribunais em todo o mundo e estará violando uma série de tratados de direitos humanos que assinou.

As consequências serão catastróficas. A possibilidade de assinar contratos civis sem usufruir dos direitos trabalhistas significará que todos os empregadores exigirão que seus empregados assinem contratos civis apenas para escapar da proteção trabalhista. Isso aumentará exponencialmente as práticas que já estão em curso no Brasil: a evasão em massa do direito do trabalho por meio de contratos fraudulentos hoje só é evitada pela atuação das instituições de proteção ao trabalho, entre elas a Justiça do Trabalho, que seria completamente esvaziada de suas funções institucionais se a tendência for adotada como tese definitiva e vinculante. Como também vem ocorrendo, o combate ao trabalho escravo contemporâneo será gravemente afetado, pois os empregadores poderão celebrar contratos civis formais com os trabalhadores e o farão para evitar a interferência da Justiça do Trabalho, dos Auditores Fiscais do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e para impedir a formação e o funcionamento de sindicatos. Toda a proteção social e os direitos fundamentais previstos na Constituição e nos tratados de direitos humanos serão simplesmente eliminados, pois não haverá mais empregados, pelo menos os formalmente reconhecidos. Todos os direitos relacionados a gênero, segurança e saúde no trabalho e todos os tipos de antidiscriminação serão tornados ineficazes. A desigualdade de renda, com uma enorme queda na participação dos salários na economia, que disparou nos últimos anos justamente por causa desse processo de fuga da legislação trabalhista e da reforma trabalhista de 2017, explodirá em breve.

A Suprema Corte brasileira deve ser advertida desde o início de que isso violará a Recomendação 198 da OIT, que, ao contrário das últimas decisões da Suprema Corte, exige que os Estados combatam os contratos civis falsos que tentam mascarar relações de trabalho genuínas. Isso também violará a decisão vinculante e obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem como objetivo fazer valer os direitos humanos trabalhistas que o Brasil concordou em cumprir. Também violará todos os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e que preveem uma série de direitos trabalhistas, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que preveem direitos humanos universais para os trabalhadores em sentido amplo, e não uma construção fictícia que os restringe a uma pequena parcela da população trabalhadora.

Nós, acadêmicos, pesquisadores e professores, enviamos este sinal de alerta para as consequências da tese que está prestes a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal, acrescentando que os tribunais internacionais de direitos humanos devem ser solicitados a favor do gozo dos direitos humanos no trabalho pelos trabalhadores brasileiros para condenar o Estado brasileiro pelas ações do Supremo Tribunal Federal, caso este mantenha o curso das decisões que vem tomando e que atentam contra esses direitos fundamentais.

Divulgue e divulgue a campanha da forma mais ampla possível e mantenha contato para que possamos desenvolver essa campanha.

Os professores e pesquisadores abaixo assinados concordam com a declaração acima. Se quiser endossar a carta, insira seu nome, identificação acadêmica, instituição e país no final da lista.

  1. Alain Supiot, Professeur émérite Collège de France et Université de Nantes, France.
  2. Ursula Huws, Director, Analytica Social and Economic Research, United Kingdom
  3. Antonio Baylos, Catedratico Emérito Universidad Castilla La Mancha (Spain)Veronica Gago, professora da Universidade de Buenos Aires e da Universidade de San Martín, Argentina;
  4. Simon Deakin, Professor of Law at the University of Cambridge, United Kingdom
  5. Veena Dubal, Professor of Law, University of California, Irvine, United States
  6. Juan Escribano Gutiérrez, Catedrático de derecho del trabajo. Universidad de Córdoba, Spain
  7. Mark Graham, Professor, University of Oxford, United Kingdom
  8. Joaquín Aparicio. Profesor emérito. Universidad de Castilla La Mancha, Spain
  9. Yoko Hashimoto, Professor of Law, Gakushuin Univ., Tokyo, Japan
  10. Sidnei Machado – Professor of Labor Law, at the Federal University of Paraná (UFPR-Brazil)
  11. Nunzia Castelli profesora Titular de Universidad en la Universidad de Castilla la Mancha, Spain
  12. Francisco Trillo Párraga, Associate Professor at Castilla-La Mancha University, Spain
  13. João Leal Amado, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal
  14. Victoria Basualdo, Researcher and Profesor, CONICET-FLACSO Argentina 
  15. Guy Davidov, Professor, Hebrew University of Jerusalem, Israel
  16. Roseli Figaro, Professora titular, Universidade de São Paulo
  17. Donna Kesselman Université Paris-Est Créteil, France
  18. Sarah T. Roberts, Associate Professor; Faculty Directory, Center for Critical Internet Inquiry, UCLA, United States
  19. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo professor titular do Instituto De Economia da Unicamp, Brazil
  20. Jorge Luiz Souto Maior – Universidade de São Paulo-USP, Brazil
  21. Fabio de Sa e Silva, Associate Professor, University of Oklahoma, United States
  22. Patrick Cingolani, Professeur des Universités, Université Paris Cité, France
  23. Ruth Dukes, Professor of Labour Law, University of Glasgow, UK
  24. Nicola Countouris, Professor of Labour Law and European Law, UCL Faculty of Laws, UK
  25. Piera Loi, Professor of Labour Law, Law Department, University of Cagliari, IT
  26. Adalberto Cardoso, Professor, UERJ, Brazil
  27. Valerio de Stefano, Canada Research Chair in Innovation Law and Society, Osgoode Hall, York University, Canada
  28. Cássio Casagrande, Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil
  29. David J. Doorey, Associate Professor of Weork Law, Osgoode Hall Law School, York University, Canada
  30. Gabrielle Golding, Senior Lecturer in Law, The University of Adelaide, Australia
  31. Tonia Novitz, University of Bristol Law School, UK 
  32. Simonetta Renga – Professore ordinario  di diritto del lavoro – Università di Ferrara – Dipartimento di Economia e Management – Esperto nazionale dell’ UE Network on gender discrimination  
  33. Mario Rusciano, Emerito dell’Università di Napoli Federico II, già Ordinario di Diritto del lavoro nella Facoltà di Giurisprudenza, Napoli, Italia
  34. Piera Campanella, Full Professor of Labour Law, University of Urbino Carlo Bo, Italia
  35. Csilla Kollonay Lehoczky, professor emerita, Central European University, Austria
  36. Márcio Túlio Viana, Professor PUC-MG, Brazil
  37. Lorenzo Gaeta, Full Professor of Labour Law, University of Siena (Italy)
  38. Luca Calcaterra, full professor of Labor Law and EU Labor Law, Università Suor Orsola Benincasa di Napoli, Italia 
  39. Olivier Frayssé, Professor Sorbonne Université, France
  40. Eduardo Rojo Torrecilla, Universidad Autónoma de Barcelona, Spain
  41. David Sánchez Rubio, Profesor Titular, Universidad de Sevilla 
  42. Danièle Linhart, sociologue du travail. France.
  43. Nicole Maggi-Germain, enseignante-chercheure en Droit social, Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, France
  44. Valerio Speziale, Full Professor of Labour Law, University “G. D’Annunzio”, Chieti – Pescara, Italy
  45. Lord John Hendy KC, honorary professor, University College, London, UK
  46. Ángel Javier Gallego Morales, Profesor Titular de Derecho del Trabajo,  Universidad de Granada, España
  47. Rodrigo Palomo Vélez, Profesor de Derecho del Trabajo, Universidad de Talca, Chile
  48. Andrew Wolf, Assistant Professor, Cornell University (ILR), United States
  49. Renato Janine Ribeiro, Professor Titular da Universidade de S. Paulo, Brazil
  50. Diamond Ashiagbor, Professor of Law, University of Kent, United Kingdom
  51. Marcelo Neves, Professor Titular de Direito Público, UNB, Brazil
  52. Elena Sychenko, associate professor, Saint Petersburg State University 
  53. Florence Debord, professeure, Université Lyon 2, France
  54. Annalisa Murgia, Associate professor, University of Milan, Italy
  55. Emmanuelle Mazuyer CNRS université Lyon 2, France
  56. Pierre-Emmanuel Berthier, Maître de conférences HDR à l’Université Lumière Lyon 2, France
  57. Chloé Lebas, PHD student and teacher, Université de Lille, France
  58. Jean Vandewattyne, Professeur UMONS, Belgique
  59. Raquel Maria Rigotto – Professora Titular do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará Brasil 
  60. Antonio A. Casilli, professor, Polytechnic Institute of Paris, France
  61. Dominique Méda, Professeure Université Paris Dauphine, France 
  62. Angelina Peralva, professora emérita da Universidade de Toulouse
  63. Michael Willian Conradt, mestre em direito na UFPR, Brazil
  64. Tamás Gyulavári, Pázmány Péter Catholic University, Budapest, Hungary
  65. Rick Glofcheski, Professor, University of Hong Kong
  66. Richard Mitchell, Honorary Professor, Monash University, Melbourne, Australia 
  67. Elina Pessanha. professor, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil
  68. David Cabrelli, Professor of Labour Law, University of Edinburgh (UK)
  69. Giulio Centamore, Senior assistant professor, University of Bologna, Italia
  70. Kurt Pärli, Professor for Social Private Law, University of Basel, Switzerland
  71. Carolina Martínez Moreno, Catedrática de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social de la Universidad de Oviedo (España)
  72. Katie Silene Cáceres Arguello, Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Brazil
  73. Christina Hiessl, professor of labour law at KU Leuven (Belgium) and invited professor of social welfare at Yonsei University (South Korea)
  74. Blanca Estela Lemus Ruiz, Professor, Universidad Michoacana de San Nicolas de Hidalgo Michoacan, Mexico
  75. David B. Oppenheimer, Clinical Professor of Law, University of California, Berkeley, USA
  76. Gordon Anderson, Emeritus Professor, Faculty of Law, Victoria University of Wellington, New Zealand
  77. Christian Azaïs, Emeritus Professor, Conservatoire national des arts et métiers (CNAM), Paris (France)
  78. Dr Eugene Schofield-Georgeson (Senior Lecturer) University of Technology Sydney (UTS), Faculty of Law, Australia
  79. Guillermo Gianibelli, Catedrático de Derecho del Trabajo y la Seguridad Social de la Universidad Nacional de Buenos Aires, Argentina
  80. Filip Dorssemont, Full Professor Labour Law, UCLouvain, 
  81.   Josépha Dirringer, Univ. Rennes, France
  82. Aldacy Rachid Coutinho, Professora titular emérita, UFPR
  83. Jean Vandewattyne, Professeur UMONS, Belgique
  84. Jamie Woodcock, Senior Lecturer, University of Essex, UK
  85. Gloria Rojas Rivero, Catedrática de Derecho del Trabajo. Universidad de La Laguna, Spain
  86. Ricardo Antunes, Professor Titular de Sociologia do Trabalho da UNICAMP, Brasil
  87. José Dari Krein, Unicamp, Brasil
  88. Roberto Véras de Oliveira, Professor Titular, UFPB, Brazil
  89. Matteo Corti – Full Professor of Labour Law, Catholic University of Milan
  90. Marcia de Paula Leite, Universidad Autónoma Metropolitana, Unidade Cuajimalpa (UAM-Cuajimalpa), Mexico
  91. Luiz Augusto de Paula Souza, Professor Titular PUC-SP
  92. Amadeu José Montagnini Logarezzi, professor titular aposentado, Universidade Federal de São Carlos
  93. Laure Camaji, Senior Lecturer in labour law, Université Lyon 2, France
  94. Alex Callinicos, Emeritus Professor of European Studies, King’s College London, United Kingdom
  95. Iftikhar Ahmad, Founder, Centre for Labour Research, Pakistan
  96. Margarita Barañano, Professora Titular Sociología, Universidad Complutense de Madrid, Spain
  97. Phoebe V Moore University of Essex, United Kingdom
  98. Michel Miné, professeur du Conservatoire national des Arts et Métiers (France), titulaire de la chaire Droit du travail et droits de la personne, France
  99. Urwana Coiquaud, professeure, HEC Montréal, Canada
  100. Teresa Coelho Moreira, Associate Professor with Habilitation, Law School, University  of Minho, Portugal
  101. Treviliana Eka Putri, Lecturer, Universitas Gadjah Mada, Indonesia
  102. José María Miranda Boto, profesor titular, USC, Spain
  103. Jacob Carlos Lima, professor, UFSCar
  104. Ji Su Yoo, UC Berkeley, United States
  105. Jan Buelens, Professor of Labour Law, University of Antwerp, Belgium
  106. Cibele Saliba Rizek- Full Professor – University of São Paulo, Brazil
  107. Francisco José da Costa Alves, Professor Titular Universidade Federal de São Carlos, Brazil
  108. Stephen Bouquin, Professor, University of Paris-Saclay, France
  109. Beryl ter Haar, University of Warsaw (Poland) and University of Groningen (the Netherlands)
  110. Jens Schubert, Leuphana University Lüneburg, Germany
  111. Liana Carleial, Professora titular UFPR, Brazil
  112. Francis Kessler assistant professor Sorbonne law school University Paris 1, France
  113. Claire Marzo, Université Paris Est Créteil, France
  114. Emmanuel Dockès, professor, Université Lyon 2, France
  115. Wilson Ramos Filho, Professor Catedrático em Direito do Trabalho no Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia nas Faculdades Integradas do Brasil
  116.  Aelim Yun, Senior Researcher, Seoul National University, South Korea
  117. Tatjana Jakobi, executive director Public Policy Research Center, Serbia
  118. Ana Claudia Nascimento Gomes, PUC Minas, Brazil
  119. Ricardo Rezende Figueira, Professor NEPP-DH, UFRJ
  120. Angela Maria Carneiro Araújo – Full Professor of  UNICAMPhe State University of Campinas, Brazil
  121. Susana Martínez Alcántara, profesora-investigadora Titular C, Universidad Autónoma Metropolitana-Xochimilco, Mexico
  122. Mariapaola Aimo, full professor, Università di Torino, Italia
  123. Richard Paul McIntyre,  Professor of Economics, University of Rhode Island, author, Are Worker Rights Human Rights?, United States 
  124. Geraldo Prado. Professor Visitante da Universidade Autónoma de Lisboa. Brasil 
  125. Augustus Bonner Cochran iii, Professor Emeritus of Political Science, Agnes Scott College, Atlanta, Georgia, EUA
  126. Ana Claudia Moreira Cardoso, consultora Ministério das Mulheres
  127. Maria Cecília Alves Pinto, desembargadora do trabalho, doutora pela Universidad Pablo de Olavide – UPO
  128. Gustavo Seferian, professor, Universidade Federal de Minas Gerais
  129. Jackeline Gameleira, pesquisadora e mestre em direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil
  130. Daniele Barbosa (UFRJ/UnB), Brazil
  131. Fydel Mota, PHD student, UFPE, Brazil
  132. Rodrigo Carelli, Faculdade Nacional de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil
  133. Carlos H Preciado . Professor URV Spain
  134. Magda Barros Biavaschi, desembargadora aposentada, dPesquisadora no CESIT/UNICAMP
  135. Laura Mora, profesora UCLM España 
  136. Oscar Javier Maldonado, Universidad del Rosario, Colombia
  137. Cinzia Barreto – advogada e professora Unijorge, Brazil
  138. Julice Salvagni, professora do PPG de Políticas Públicas da UFRGS 
  139. Pedro Daniel Blanco Alves, advogado e pesquisador, Universidade de São Paulo, Brasil
  140. Ana Carolina Reis Paes Leme, pesquisadora, UFPR (Brasil)
  141. Lorena Vasconcelos Porto, Professora da Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brazil
  142. César Sanson – Professor UFRN, Brazil
  143. Rodrigo Camargo, advogado e mestrando no Programa de Pós-graduação em Direitos Humanos e Cidadania – Universidade de Brasília, Brazil
  144.  Adriana Wyzykowski, professora adjunta, Universidade Federal da Bahia e Universidade do Estado da Bahia, Brazil
  145. Anselmo Luis dos Santos, Professor and Researcher at UNICAMP. CESIT – SOCIAL AND LABOUR ECONOMIC STUDY CENTER. ECONOMIC INSTITUTE, Brazil 
  146. David Ballesteros Ruiz, Investigador de Derecho del Trabajo y Seguridad Social, Universidad de Castilla-La Mancha, Spain
  147. Silvia Angélica Tavares Santos, mestranda na UnB, Brazil
  148. Carolina Pereira Lins Mesquita Professora UFRJ-PPGSD/UFF, Brazil
  149. Patricia Anastácio
  150. Arlete Moyses Rodrigues, Universidade Estadual de Campinas, Brazil
  151. Erik Chiconelli Gomes, Coordenador Acadêmico, ESAOABSP, Brasil
  152. Denise de Almeida Guimarães, Professor at the Fluminense Federal University, Brazil
  153. Tamiris Santos, Research Associate (Loughborough University), United Kingdom
  154. Raquel Mattes -aposentada – UNESP, Brazil
  155. Giovana Labigalini Martins, Pesquisadora – USP, Professora –  FGVLaw, Brazil
  156. Romina Lerussi Inv adjunta CONICET ARGENTINA
  157. Maria Celeste Simões Marques, prof NEPP/UFRJ, Brazil
  158. Andrea Andujar, investigadora, Conicet/UBA, Brazil
  159. Rufino Carneiro, Independent CIT Consultant, Brazil
  160. Nívea Maria Santos Souto Maior, professora, Universidade Federal de Pernambuco, Brazil 
  161. Anamaria Vital Martins de Matos, master degree’s student of Universidade Federal de Pernambuco, Brazil
  162. Federico Rosenbaum Carli, Profesor Asociado de la Universidad Católica del Uruguay
  163. Nadine Tuane Henn, mestranda, UnB, Brazil
  164. Abel Guerra, PhD Researcher, London School of Economics and Political Sciences, United Kingdom
  165. Vera Khovanskaya, Assistant Professor, University of Toronto, Canada
  166. Carolina Parreiras, researcher, University of São Paulo, Brazil
  167. Gabriel Lopes, professor doutor, UniDrummond, Brazil
  168. Rafael Grohmann, assistant professor of media studies, University of Toronto, Canada
  169. Elsa Cristine Bevian -Professora Universidade Regional de Blumenau, Brazil
  170. Matheus Viana Braz, professor at the Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Brazil
  171. Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, Associate Professor-University of Sao Paulo School of Law, Brazil
  172. Guilherme Caldas de Souza Campos, Instituto de Economia, Unicamp, Brazil
  173. Benjamin Anderson, Lecturer, Simon Fraser University, Canada
  174. Ricard Espelt, senior researcher, UOC, Spain
  175. Marilane Teixeira, professora e pesquisadora, Unicamp, Brazil
  176.  Jamie Divine, Student, Leiden University, Netherlands
  177. Ricardo Festi – Professor – UnB, Brazil
  178. Regina Celia Bega dos Santos, Universidade Estadual de Campinas, Brazil
  179. Noirma Murad professor at Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brazil
  180. Claudio Di Mauro  – Geógrafo aposentado UFU e UNESP, Brazil
  181. Roberto Pompa, Presidente Asociaciòn Latinoamericana de Jueces del Trabajo, Argentina
  182. Mariana González, investigadora FLACSO-CONICET, Argentina
  183. Maria del Luján Charrutti profesora adjunta Udelar, Uruguay
  184. Ticiane Lorena Natale, PhD student, University of São Paulo, Brazil
  185. Murillo van der Laan (pós-doutorando, Unicamp), Brazil
  186. Lorena de León, docente ucudal y aspirante udelar fder, Uruguay
  187. Nicolas Pizzo – Aspirante a Profesor Adscripto – Faculad de Derecho – Universidad de la República (UdelaR – Uruguay)
  188. Valdete Souto Severo, professora, UFRGS, Brazil
  189. Marcelo Azevedo Chamone, pesquisador, USP, Brazil
  190. Barbara Gomes, Université d’Avignon, France
  191. Maria Damaceno. Advogada. Mestranda UFRJ, Brazil
  192. Francisco Luciano de Azevedo Frota – Juiz do Trabalho, Brazil
  193. Matthieu Vicente, Lecturer, University Paul Valéry Montpellier 3, France
  194. Mauro Pucheta, Lecturer in Law, University of Kent, United Kingdom
  195. Hugo Cavalcanti Melo Filho,  Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco,  Brasil.
  196. Edemilson Paraná, LUT University, Finland
  197. Aguimar Martins Peixoto,  magistrado, universidade federal de mato grosso- UFMT, Brazil
  198. Marcelo José Fernandes da Silva, mestrando em Filosofia, Brazil 
  199. Renan Kalil, pesquisador de pós-doc, USP, Brazil
  200. Patrick Feuerstein, Researcher, Berlin Social Science Center (WZB), Germany
  201. Maria Rosaria Barbato, Associate Professor, UFMG, Brazil
  202. Maheo Olivier, collaborateur, IHTP (Paris 8-CNRS), France
  203. Flávia Máximo – Professora da Universidade Federal de Ouro Preto, Brazil
  204. Wanise Cabral Silva, Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, Brazil 
  205. Karen Artur – Profa. Adjunta da UFJF, Brazil
  206. Daniel Vizuete-Sandoval, Assistant Researcher, CTS Lab de FLACSO, Ecuador
  207. Patrick Dieuaide, Associate Professor, University of Sorbonne-Nouvelle, France
  208. Isaura Barbosa de Oliveira Lanza UFJF, Brazil
  209. Pía Garavaglia, researcher, Universidad de Buenos Aires/Université Sorbonne Nouvelle, France
  210. André Costa UFPE, Brazil
  211. Thais Helena Barreira, Researcher, Fundacentro, Ministério do Trabalho e Emprego Brazil
  212. Maria Cristina Strausz,  Fiocruz,  Brasil
  213. Rafael Teixeira Ramos, Investigador na FDUC, Brazil
  214. Célio Horst Waldraff, desembargador do TRT9 e professor da UFPR, Brazil
  215. Rômulo Soares Valentini. Professor dos cursos de pós-graduação. PUC/MG e Ibmec, Brazil
  216. Carla de Campos Ferreira, Escola de Serviço Social, UFRJ, Brasil
  217. Renata Queiroz Dutra, Professora Adjunta, Universidade de Brasília, Brazil
  218. Felipe de Melo Barbosa, mestre, especialista e graduado em Direito do Trabalho pela USP, Brazil
  219. Joana DArc de Oliveira, post doctoral student, University of São Paulo, Brazil
  220. Kalilou Barry, Paris-Est Créteil University, France 
  221. Ana Carolina Esperancin Gomes Araújo, servidora pública, UFMS, Brasil
  222. Graciela Villanueva, professeure, université Paris-Est Créteil, France
  223. José Luiz Soares, pesquisador, UFRJ, Brazil
  224. Priscila Lauande, UDF e ETUI, Brasil
  225. Lorena Camarotti
  226. Célia Regina Camachi Stander, Brazil
  227. Marcelo Manzano, Professor, Unicamp, Brazil 
  228. Leonardo Wandelli – Professor e pesquisador, Brazil
  229. Roberta Popov Pavan Malagoli
  230. Marco Gonsales IFCH UNICAMP, Brazil
  231. Claudia Nociolini Rebechi, professora, Universidade Tecnológica Federal  do Paraná, Brazil
  232. Lelia Regina Cremona Rodrigues
  233. Camila Santos Nadim Ginebro, Estudante, UFSCar.
  234. Patrícia Vieira Trópia, Docente, UFU
  235. João Berthier – college professor – PUC RIO (Brazil) and UERJ (Brazil)
  236. Estela Titton, aposentada
  237. Rogério Pacheco Alves, Professor adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense 
  238. JJ Fueser, community-based researcher, RideFair campaign, United States
  239. Andréa Tertuliano de Oliveira, Procuradora do Trabalho na 2ª Região
  240. Leda Gitahy, Professor, Unicamp, Brazil
  241. Marc Steinberg, Professor, Concordia University, Montreal, Canada
  242. Lucia Maschi, lawyer, University of the Republic of Uruguay 
  243. Thiago Brandão, Postdoc, Rio de Janeiro State University (UERJ), Brazil
  244. Paula Marcelino, professora USP, Brazil
  245. Luiz Marques, faculty, State University of Campinas, Brazil
  246. Hugo Dias, Associate Professor, Unicamp, Brazil
  247. Marcelo Ridenti, Professor, Unicamp, Brazil
  248. Miriam Santos,  aposentada PMSP, PUC-SP, Brazil
  249. Cassio da Silva Calvete, professor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil
  250. Rebecca Tarlau/ Associate  Professor/ Stanford University, United States
  251. Angela Arruda, retired professor, UFRJ, Brazil
  252. Henrique Amorim, Unifesp, Brazil
  253. André Augusto de Almeida Alves professor associado UEM, Brazil
  254. Angela Arruda, Professora aposentada. UFRJ, Brazil
  255. Thelma Flaviana Rodrigues dos Santos, pesquisadora independente, TDEPP/CNPq/UFCG, Brazil
  256. Andrea Alarcon, postdoctoral research fellow, University of Queensland, Australia
  257. Maria Eugenia Vanzolini, consultant, University of São Paulo School of Medicine, Brazil
  258. Maria Cristina Paulo Rodrigues, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF)
  259. Geraldo Moreira Prado Biblioteca do Paiaiá, University of Queensland
  260. Jacqueline Low-Beer, Depto. de Geografia do Instituto de Humanas da Universidade de Brasília, Brazil
  261. Valeria Barbieri – Designer – FAAP – SP,  Brazil
  262. Serhat Tutkal, Postdoctoral Researcher, El Colegio de México, Mexico
  263. Nataliya Nedzhvetskaya, PhD Candidate, University of California, Berkeley, United States
  264. Maria Virgínia Cerqueira, aluna, UFMG, Brazil
  265. Caio Navarro de Toledo, professor aposentado Unicamp,,  Brazil
  266. Eduardo Chapadeiro, independent geologist, Brazil
  267. Márcio Moneta, Professor, Universidade Federal de Pernambuco, Brazil
  268. Beatriz Vianna Henry USP São Paulo Brasil, Brazil
  269. Alvaro Crosta,  Professor, State University of Campinas, Brazil
  270. Maria Aparecida Bridi, professora, Universidade Federal do Paraná, Brazil
  271. Andréia Galvão, professor, Unicamp, Brazil
  272. Arline Sydneia Abel Arcuri  pesquisadora aposentada da Fundacentro
  273. João Eduardo de Morais Pinto Furtado, Lecturer, Sao Paulo University, Brazil
  274. Julia Tomassetti, Law Lecturer, Swinburne University of Technology 
  275. Zoe Zhao, Assistant Professor, UC Santa Cruz, US
  276. Anna Zilli, associate professor, University of Udine, Italy
  277. Alicia Hendrics, PhD researcher, Hasselt University, Belgium
  278. Francesca Barp, PhD candidate, University of Bern, Switzerland
  279. Sawmiya Rajaram, Associate Professor, O.P Jindal Global University, India
  280. Bhavna Ramji, Attorney, Casual Workers Advice Office & University of the Western Cape, South Africa
  281. Universitat de València
  282. Paula Frassinetti Mattos advogada
  283. Alessandra Azevedo, docente, UFRB 
  284. Jonas C. L. Valente,  Postdoc researcher, Oxford Internet Institute, United Kingdom
  285. Tobias Kuttler, postdoctoral researcher, WZB Berlin Social Science Center, Germany
  286. Edilton Meireles, professor, UFBA, Brazil
  287. Rossella Bozzon, Assistant professor, University of Catania, Italy
  288. Oguz Alyanak, Postdoctoral Researcher, University of Oxford, United Kingdom
  289. Maristela Oliveira Fonseca, ex-aluna UFMG, PUC-Minas,PUC-Rio, UFSC, Brazil
  290. Adriana Marques da Cunha, professor, Facamp, Brazil
  291. Janaína Santos de Siqueira , Equipe de pesquisa EpisSAT Entregadores,  Doutoranda em Saúde Coletiva UFBA/UFRJ, Brazil
  292. João Pedro Ferreira Perin, Concordo, Universidade Federal de São Carlos
  293. Anjali Krishan, Postdoctoral Researcher, University of Oxford, United Kingdom
  294. Marcia de Paula Leite, Unicamp, Brazil
  295.  César F. Rosado Marzán, the University of Iowa, Iowa, USA
  296. Eric M. Fink, Associate Professor of Law, Elon University, United States
  297. Saskia Klosse, professor Labour Law and Social Security University of Maastricht
  298. Sanja Stojković Zlatanović, Senior Research Associate, National Institute of Social Sciences, Center for Legal Research, Belgrade, Serbia
  299. Nicolas Bueno, Law Professor, UniDistance Suisse, Switzerland
  300. Guilherme Henrique Guilherme – International Visiting Graduate Student – University of Toronto, Canada
  301. Giovanna Zampieri 2nd year Phd Candindate in Labour Law University of Padua, Italy
  302. Norma Möllers, Associate Professor, Queen’s University, Canada
  303. Juan Manuel Ottaviano, abogado laboralista, CETyD, Argentina
  304. Lia Seixas, professor, UFBA, Brazil
  305. Reynaldo Aragon Gonçalves, Phd Student, Universidade Federal Fluminense, Brazil
  306. Muza Clara Chaves  Velasques / Docente – Fiocruz
  307. Luis Henrique Nascimento Gonçalves
  308. Rafael Evangelista – pesq/prof – Unicamp, Brazil
  309. Claudia Nonato, Universidade de São Paulo, Brazil
  310. Thaís Regina Aiello – UMESP, Brazil
  311. Ana Regina Rêgo, Sub-Coordenadora PPGCOM- Universidade Federal  do Piauí, Brazil
  312. Letícia Pessoa Masson – pesquisadora, Fiocruz, Brazil 
  313. Pollyana Ferrari, PhD in PUC-SP, Brazil.
  314. Bartira Souza, Civil Servant in the Brazilian Federal Government and Labour Lawyer, Master in Social Innovation for Sustainable Development – University of Torino, Italy 
  315. Diogo Lopes de Oliveira, Tenure Assistant Professor, Universidade Federal de Campina Grande, Brazil
  316. Vitor Souza Lima Blotta, Professor, University of São Paulo, Brazil 
  317. Humberto Rodrigues Moreira, Professor, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brazil
  318. Alessandra Barros Marassi, docente na Cásper Líbero, Brazil
  319. Cirlene Christo – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brazil
  320. Geneviève Pignarre, professeur émérite. Université Savoie Mont-blanc
  321. Thaís Brianezi, professor at the University of Sao Paulo, School of Communication and Arts
  322. Patrice Adam, Professeur de droit, Université de Lorraine, France
  323. Maria José Braga, Jornalista, Instituto Federal de Goiás, Brazil
  324. Professeur de droit privé à l’Université de Picardie (France)
  325. Frédéric Guiomard Professeur de droit, Université Toulouse Capitole, France
  326. José Luiz Aidar – PUC-SP 
  327. Leah Horgan, Computing Innovation Fellow, Northeastern University, United States
  328. Beltrán Roca, Professor in Sociology, University of Cádiz, Spain
  329. Vanessa patriota da Fonseca, UFPE, Brazil
  330. Pedro Nicoli, Professor, Universidade Federal de Minas Gerais
  331. Frederico Garcia Fernandes, professor Associado, Universidade Estadual de Londrina
  332. Geraldo dos Santos Forte 
  333. FDRP-USP-RIBEIRÃO-GEDTRAB
  334. Cláudia Lopes,  docente e pesquisadora
  335. Flávia da Silva Clemente, professora, UFPE – Universidade Federal de Pernambuco 
  336. Prof. Juliano Domingues, Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)/Universidade de Pernambuco (UPE)
  337. Mônica R Costa, docente, UFPE
  338. Maria Helena Cariaga Silva 
  339. Diego Nicolás Ferrari, Assistente Social, UFRJ
  340. Ana Yara Paulino FSP/USP
  341. Andréia De Conto Garbin – PUCSP
  342. Andréia da Cunha Malheiros Santana. Professor associado. Universidade Estadual de Londrina 
  343. Cleier Marconsin, Professora Universitária, UERJ, Brazil 
  344. Elisabetta Santoro, professor, Universidade de São Paulo
  345. Denise Carmen de Andrade Neves – Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Serviço Social – PUC Goiás
  346. Renata Paparelli PUCSP
  347. Adriana Calvo post PHD university of São Paulo – USP
  348. Francisco Gérson Marques de Lima, Universidade Federal do Ceará, Brazil
  349. Mariana Nepomuceno, professora, Universidade Católica de Pernambuco 
  350. Danilo Enrico Martuscelli, Profesor of Political Science, Federal University of Uberlândia (UFU)/Brasil 
  351. Raquel Paese – coordenadora site DMT em Debate
  352. Fernanda Sobral, UNB, Brazil 
  353. Juan Carlos Celis, Universidad Nacional de Colombia 
  354. Ana Maria Almeida Marques, professora, Faculdade CDL.
  355. Helena Martins – UFC
  356. Levi Noleto Paiva, pesquisador, Universidade Federal do Ceará
  357. Julio Cesar Neffa, Profesor, Universidad Nacional de Moreno, Argentina
  358. Cyntia Santos Ruiz Braga, advogada, professora e pesquisadora, USP, Brazil
  359. Silvia Garro, profesora, Universidad de Buenos Aires 
  360. Hélio, researcher and Federal University of Ceará – Brazil
  361. Mirtes Shiraishi, lawyer, USP
  362. Mônica Mustafci, psicóloga 
  363. Anderson Nunes Costa Fernandes Vieira, pesquisador
  364. Marcia Araujo Gois Albuquerque, researcher, Universidade Federal do Ceará (UFC)
  365. Nayla Rochele Nogueira de Andrade, advogada, universidade federal do Ceará 
  366. Felipe Caetano da Cunha – researcher – Federal University Of Ceará 
  367. Jose Rogério de Andrade Silva- pesquisador 
  368. Carlos Eduardo Pinheiro da Silva, pesquisador e professor de Direito e Processo do Trabalho
  369. Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima, pesquisador, Universidade Federal do Ceará 
  370. Luiz Paulo Oliveira, Professor Associado, UFRB, Brazil
  371. Rafael Henrique Dias Sales. Doutorando e mestre pela UFC. Advogado Trabalhista.
  372. Mariana dos Anjos R Carvalho e Silva
  373. Silvio Beltramelli Neto, Faculty Member, PUC-Campinas 
  374. Jardel Gonçalves Anjos Ferreira, advogado, FDUSP 
  375. Isabel Roque, Researcher, University of Coimbra, Portugal
  376. Robertson George Fontenelle Vieira, Labour Lawyer and Labour Law Researcher Member in GRUPE (Study Group on Labour Law and Labour Judicial Process, Extension Project linked to Law School of the Federal University of the State of Ceará, Brazil)
  377. Jorge Ignacio Sandoval Ocaña Profesor de Tiempo Completo UNAM, México
  378. Nadia Pereira dos Santos
  379. Claire MAGORD, Maîtresse de conférences en droit, Université de Poitiers, France
  380. Francesca Martinelli, Director, Centro Studi Doc Foundation, Italia
  381. Vagner Emílio Beli 
  382. Fernanda Pacheco da Silva
  383. Cláudio Roberto de Araújo Bezerra, professor e pesquisador da Universidade Católica de Pernambuco 
  384. Regina Sonia Costa Farias
  385. Vânia Gabryella Gonçalves Ruiz Universidade Federal do Ceará 
  386. Ponge Rémy, professor of sociology, Aix-Marseille University (France)
  387. Marcos Paulo da Silva, Associate Professor, Federal University of Mato Grosso do Sul, Brazil
  388. Leonardo Foletto, professor, FGV ECMI, Brazil
  389. Flavio Antônio de Castro, aposentado, Unicamp 
  390. Marcelo Milan, Associate Professor, Federal University of Rio Grande do Sul
  391. Pedro Salgado, Lecturer of International Relations and Politics, University of Portsmouth, United Kingdom
  392. Antonio Fernandes Neto,  advogado, Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Pucc
  393. Luisa Barbosa, Postdoctoral researcher at SOAS, University of London
  394. JOSE EYMARD LOGUERCIO, PESQUISADOR, Universidade de Brasilia -UnB
  395. César Augusto Silva mendes 
  396. Luiz Carlos Pinto da Costa Júnior, Coordinator of the Master’s in Creative Industries, Universidade Católica de Pernambuco
  397. Odair Furtado, associate professor,PUC-SP
  398. Eduardo Siqueira, Professor Emeritus, University of Massachusetts Boston
  399. Gabriel, student at Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
  400. Iraide Pita, docente, Universidade São Judas 
  401. Enio Silva 
  402. Lelia Regina Cremona Rodrigues 
  403. Francisco Viana – Instituto Silvia Lane
  404. Heleno Rodrigues Corrêa Filho,  Prof. Livre Docente Aposentado – UNICAMP/FCM/DSC
  405. David Carvalho de Araújo, Professor, desempregado.
  406. Joana A. Coutinho, Professora UFMA, Brazil
  407. Ludmila Costhek Abilio, Researcher, University of Sao Paulo
  408. Maria Dionísia do Amaral Dias, prof assist dr, Unesp, Brazil
  409. Luis Manuel Pérez, docente, UAM, México
  410. Swati Chintala, PhD Candidate, NYU, United States
  411. Flavio Silveira Freitas, Professor and Lawyer, Universidade Estácio de Sá, Brazil
  412. Gabriela Caramuru Teles, professora Economia, UFPR, Brazil. 
  413. Flavia Julius, PhD student, Macquarie University, Australia 
  414. Grijalbo Fernandes Coutinho- mestre e doutor em Direito pela UFMG- Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais- . Magistrado do Trabalho do TRT 10. 
  415. João Batista Martins César, professor Faculdade de Direito de Sorocaba
  416. Ivan Simões Garcia – Professor Associado Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
  417. Ludmila Bolivar Faioli Silva 
  418. Megan Wiessner, PhD Candidate, New York University, United States
  419. Janaine Aires – Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
  420. Cynthia Fischer,  professor, IFSP, Brazil
  421. Gerónimo Robledo, coordinador académico Congreso Colombiano Estudios del Trabajo, Universidad Nacional de Colombia 
  422. Miroslaw Wlodarczyk, profesor University of Lodz, Poland
  423. Marnix Dressen-Vagne, UVSQ, Paris-Saclay, France
  424. Natália Soprani Valente Muniz, master student, UFRJ
  425. Cesar Widniczek 
  426. Janaina Visibeli Barros, docente nos cursos de Comunicação Social, Pesquisadora do Grupo de Pesquisa EPCO da Universidade do Estado de Minas Gerais. 
  427. Katherine Cilae Benedict, teacher, Colégio Pedro II 
  428. Angélica Cardoso Gueiros, teacher, Colégio Pedro II
  429. Ricardo Pereira UDF Brasília, Brazil 
  430. Juliana Teixeira Esteves,  professora, Universidade Federal de Pernambuco 
  431. Renata Versiani, Professora, UFRJ
  432. Tatiana Sachs, Associate professor, Université Paris Nanterre, France
  433. André Augusto Siviero, researcher (Mestrado), UFRJ – PPGD
  434. Murilo Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia, Brazil 
  435. Nahema Nascimento Falleiros – PhD candidate, PPGCI-IBICT-ECO-UFRJ, Brazil
  436. Mathias Wouters, FRIS, Belgium 
  437. Tania Bazzani, Senior Researcher, Europa Universität Viadrina, Frankfurt Oder, Germany
  438. Maayan Niezna, Lecturer, University of Liverpool School of Law and Social Justice, UK 
  439. Marco Rocca, Researcher, National Centre for Scientific Research (CNRS), FR
  440. Natalie Sedacca, Assistant Professor in Employment Law, Durham University, UK 
  441. Gavin Mueller, Assistant Professor of New Media and Digital Culture, University of Amsterdam, NL
  442. Ania Zbyszewska, Assistant Professor in Law and Work, Carleton University, Canada.
  443. Víctor Riesgo Gómez, social researcher at UNED and assistant professor at USAL, Spain.
  444. Silvia Borelli, professor at the university of Ferrara (Italy)
  445. Lorenzo Zoppoli, professore ordinario di Diritto del lavoro, Università di Napoli Federico II
  446. Carmelo Romeo già prof ordinario di diritto del lavoro nell’Università di Catania
  447. Dr. Federico Fusco, Assistant Professor of Law, Alfaisal University, Saudi Arabia
  448. Maurizio Falsone, professore associato, Università Ca’ Foscari di Venezia
  449. Lorenzo Scarano, università di Bari, Italia
  450. Vito Pinto, Professore Ordinario Università di Bari, Italia
  451. Lisa Amoriello, adjunct Professor of Labour Law, University of Florence
  452. Gisella De Simone, University of Genoa, Italy
  453. Antonella D’Andrea, UNIVERSITA’ DI ROMA TOR VERGATA, Italia
  454. Giovanni Pino Capo di Gabinetto Commissione di garanzia scioperi nei servizi essenziali, Professore associato di Diritto del lavoro
  455. Silvia Rainone, senior researcher at European Trade Union Institute and affiliated at KU Leuven
  456. Giulia Frosecchi, University of Florence, Italia
  457. Chiara Lazzari, Professore Associato, Università di Urbino, Italia
  458. Marcos Aragão de Oliveira, PhD candidate researcher, PUC-Rio
  459. Gilberto Miranda,  Ator
  460. Maysa Santos de Andrade, researcher at UFRJ – Federal University of Rio de Janeiro
  461. José Luiz Soares, pesquisador, UFRJ 
  462. Milena Rouxinol, assistant professor, Portuguese Catholic University
  463. Joana Nunes Vicente, Assistant Professor,University of Coimbra
  464. Catarina Carvalho, Associate Professor at Universidade Católica Portuguesa 
  465. Caillaud Pascal, CNRS Researcher, Nantes (France)
  466. Marco Santana, Professor, Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ)
  467. Marcos Vinícius Sales, Doutorando em Sociologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro
  468. Luísa Andias Gonçalves, Professora Auxiliar, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal
  469. João Paulo Rodrigo Hermes da Silva, doutorando em Estudos da Mídia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPgEM/UFRN)
  470. António Garcia Pereira, Advogado e Professor Associado (aposentado) ISEG- Instituto Superior de Economia e Gestão, Universidade de Lisboa, Portugal
  471. João Zenha Martins, Professor Associado, NOVA School of Law, Portugal
  472. Nina Desgranges, researcher, Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ)
  473. Robert Forrant, Distinguished University Professor of History, University of Massachusetts Lowell, United States
  474. René Mendes / Coordinator of the Observatory of Impacts of Work on Life and Health of the Woking Class / Institute of Advanced Studies / University of São Paulo (IEA/USP). São Paulo.
  475. Daniela Izzi, University of Turin, Italy
  476. Susan Moir, ScD, University of Massachusetts, retired 
  477. Marie A. Menard, PhD Student, Université Paris-Est Créteil, France.
  478. Kenshin Nakano, PhD Student, Université d’Aix-Marseille, France
  479. Gwendal Roblin, PhD Student, Université de Poitiers, France.
  480. Isabelle Martin, Associate Professor, School of Industrial Relations, Université de Montréal, Canada
  481. Aljoša Polajžar, Researcher, University of Maribor Faculty of law, Slovenia
  482. Jack Beadsworth, PhD Student, University College London, United Kingdom
  483. Ruwan Subasinghe, Legal Director, International Transport Workers’ Federation (ITF)
  484. Isabelle Daugareilh, Research Director CNRS – University of Bordeaux, France
  485. Gerdien Oldenhuis, Assistant Professor, University of Groningen (the Netherlands)
  486. Stéphanie Bernstein, Professor, Département des sciences juridiques, Université du Québec à Montréal, Canada
  487. Yaroslava Genova, senior lecturer, University of Plovdiv, Bulgaria
  488. René Mendes / Coordinator of the Observatory of Impacts of Work on Life and Health of the Woking Class / Institute of Advanced Studies / University of São Paulo (IEA/USP). São Paulo.
  489. Daniela Izzi, University of Turin, Italy
  490. Susan Moir, ScD, University of Massachusetts, retired, United States 
  491. Guilherme Guimarães Feliciano – Associated Professor (III) – University of São Paulo (Brazil)
  492. Giovanni Orlandini, Professore ordinario Università degli Studi di Siena -Italy
  493. Bruno Maria Russo, PhD candidate, University of Pisa (Italy)
  494. Balaji Parthasarathy, International Institute of Information Technology Bangalore, India
  495. Belén Albornoz, Lab Coordinator, FLACSO, Ecuador 
  496. Alessio Bertolini, Researcher University of Oxford, United Kingdom
  497. Derly Sanchez Vargas, Universidad del Rosário, Colombia
  498. Heiner Fechner, Postdoctoral Researcher, CRC 1342, University of Bremen, Germany
  499. Aria Huys, PhD Candidate, KU Leuven, Belgium
  500. Shirley Lin, Assistant Professor of Law, Brooklyn Law School, United States
  501. Diego Álvares Alonso, Associate Professor of Labour Law and Social Security Law, University of Oviedo, Spain
  502. Adam Badger, Lecturer, Newcastle University, United Kingdom
  503. Flora Bajard, Researcher at French National Center for Scientific Research (CNRS), France
  504. Guy Bellemare, Professeur associé, Département de relations industrielles, Université du Québec en Outaouais, Canada
  505. Rafael Encinas de Muñagorri, Nantes Université, Droit et changement social, France
  506. Michele Molè, PhD student, University of Groningen, The Netherlands
  507. Felicia Rosioru, Associate Professor of Labour Law and Social Security Law, Faculty of Law, Babes-Bolyai University, Romania
  508. Martine D’Amours, PhD, Associate (retired) Professor, Département des relations industrielles, Université Laval, Québec, Canada
  509. Felice Testa – Università Europea di Roma, Italia
  510. Maria Cristina Cataudella, Professore ordinario presso l’Università di Roma Tor Vergata, Italia
  511. Carole Yerochewski, University of Montreal, Canada 
  512. Noemia C. Galduroz, advogada e professora da Universidade Paulista UNIP, Brazil
  513. Jesús Cruz Villalón, Universidad de Sevilla (España)
  514. Mijke Houwerzijl, Professor of Labour Law, Tilburg University (the Netherlands)
  515. Jennifer Nielsen,  Associate Professor, Southern Cross University, Queensland, Australia
  516. Frances Flanagan, Lecturer, University of Technology Sydney, Australia
  517. Pierluigi Digennaro, Research Fellow, State University of Milan, Italy
  518. Maria Leonor Poço Jakobsen  – advogada- universidade São Francisco
  519. Karen Messing Professor Emerita, Université du Québec à Montréal, Québec, Canada
  520. Eduardo Carrillo, Co- Executive Director, TEDIC, Paraguay 
  521. Maria Rohane de Lima, Professora Aposentada, Universidade Federal Rural da Amazônia, Brazil 
  522. Rick Glofcheski, Adjunct Professor, Faculty of Law, University of Hong Kong
  523. Tim Bartkiw, Toronto Metropolitan University, Canada.
  524. Dávid Petri, Pázmány Péter Catholic University, Budapest, Hungary.
  525. Kalina Arabadjieva, European Trade Union Institute, Belgium
  526. Eusebi Colàs-Neila, Profesor agregado, Universitat Pompeu Fabra (Barcelona), Spain
  527. Luciana de Aboim Machado – Professora Associada IV da  Universidade Federal de Sergipe, Brazil
  528. Mélanie Dufour-Poirier, Ph. D., associate professor, University of Montreal, Canada
  529. Olivier Lipari-Giraud, CNRS, research director, policy scientist, CNAM, Paris (France)
  530. Daniele Gabrich Gueiros, professora adjunta da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio
  531. Ana Luísa Palmisciano, professora da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC- Rio., Brazil
  532. Ben Mabie, freelance editor and researcher, Brooklyn NYC, United States
  533. Bruno Roso da Silva, advogado trabalhista e sindical.
  534. Nathália Carvalho Menezes, advogada trabalhista
  535. Cristiano Paixão, Professor Associado da Universidade de Brasília (UnB)
  536. Euan Gibb, Regional asst., Public Services International – PSI
  537. Anne-Marie Pailhes, Professeure Université Paris Nanterre, France
  538. Ricardo Marcelino, Professor, Universidade Católica de Pernambuco
  539. Henri Nicholas do Carmo, UFRJ,  Brasil 
  540. Emiliano Brunet, Professor, UFRJ – Faculdade Nacional de Direito, Brasil
  541. Esther Kuperman 
  542. Marton Maués, professor 
  543. Marco Tufo, Post doctoral researcher, University of Siena, Italia
  544. Mathieu Hocquelet, Céreq / Aix-Marseille University (France)
  545. Fotis Vergis, Lecturer in Law, Gonville & Caius, University of Cambridge, United Kingdom
  546. Ana Murcia Claveria, Universidad de Valladolid, Spain
  547. Arturo Arriagada, Universidad Adolfo Ibáñez, Chile.
  548. Nermin Oruc, Center for Development Evaluation and Social Science Research, Bosnia and Herzegovina.
  549. Anna Maria Battisti, associate professor of University of Rome Tor Vergata, Italy
  550. Giada Della Rocca, ricercatrice, Tor Vergata, Italy
  551. Gustavo Lívio Dinigre Pinto, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
  552. Clarisse Ines de Oliveira, profa. Adjunta de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da Universidade Federal Fluminense do pólo Volta Redonda
  553. Paulo de Carvalho Yamamoto, Assessor Jurídico da Rede ILAW (International Lawyers Assisting Workers Network).
  554. Cora Hisae Monteiro da Silva Hagino. Professora do  Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense.
  555. Lara Porto Reno, Servidora da Justiça do Trabalho e Pesquisadora do GPTC/USP.
  556. Matías Cremonte, Presidente de la Asociación Latinoamericana de Abogados y Abogadas Laboralistas (ALAL).
  557. Cynthia Benzion, Presidenta de la Asociación de Abogados y Abogadas Laboralistas (Argentina).
  558. Pablo Franco Hernández. ILAW México.
  559. Maria de Fátima dos S Campanella, pesquisadora GPTC-USP, São Paulo, Brasil
  560. María Paula Lozano, Profesora Adjunta de Derecho Social del Trabajo, Universidad Nacional de La Plata (UNLP).
  561. Helena Pontes dos Santos, Servidora da Justiça do Trabalho e Pesquisadora do GPTC/USP.
  562. Maria Vitoria Queija Alvar, Professora Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho USJT – São Paulo  e  Professora Credenciada  do Curso de  Pós Graduação Faculdade de Direito de Franca – SP.
  563. Juliana Pullino Reis, Mestre em Direito, Professora de Graduação de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho Universidade São Judas Tadeu – São Paulo  e  Professora Convidada da Pós Graduação da Faculdade de Direito de Franca – SP, Coordenadora do Curso de Direito da USJT-Mooca.
  564. Roseli dos Santos Martins, professora de direito do trabalho e processo do trabalho nos cursos de graduação da Universidade São Judas Tadeu, São Paulo 
  565. Rute Mikaele Pacheco da Silva, Ciências Sociais – Estudos Comparados sobre as Américas (PPGECsA). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Colaborativas com Povos Indígenas, Comunidades dos Quilombos e Povos e Comunidades Tradicionais nas Américas (LAEPI), Brasil
  566. Erika Paula de Campos, advogada, professora de direito do trabalho e processo do trabalho no Unicuritiba, Curitiba, Pr, Brasil. 
  567. Flor Edith González Pardo, abogada, defensora de derechos humanos laborales. Ciudad de México, México.
  568. Angie Toapanta Ventura, Centro de Investigación y Defensa del Derecho al Trabajo, Ecuador. 
  569. Maria Aparecida André Costa, advogada, formada em 1989 pela Universidade Mackenzie, São Paulo, Brasil
  570. Arthur Andreoni Calixto, advogado, pós-graduado em Direito do Trabalho pela PUC/SP
  571. Fabíola Marques, advogada, professora da graduação e pós-graduação de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho da PUC/SP
  572. Erazê Sutti, advogado, pesquisador integrante do GPTC-USP e do NTADT-USP, presidente da AATJ, presidente das Comissões da Advocacia Assalariada da OAB SP e também da ABRAT 
  573. Pedro Henrique Abreu Benatto – Doutor em Direito, advogado, professor da graduação das FMU, USJT e EPD. Coordenador da pós graduação do I9 Educação e professor convidado da pós graduação Direito Franca
  574. Yuri Nabeshima, advogada, graduada e mestre em direito pela USP, São Paulo, Brasil.
  575. Felipe Meleiro Fernandes, advogado, professor, pesquisador  do Núcleo “O trabalho além do Direito do Trabalho”, NTADT – USP.
  576. Eduardo von Adamovich – Associate Professor Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Brazilian Academy of Labour Law  
  577. Daiana Monteiro Santos, pesquisadora membro do GPTC-USP, mestre em Direito Social pela Université Paris 1 – Panthéon Sorbonne. Brasil. 
  578. Elsa Cristine Bevian, Professora do Centro de Ciências Jurídicas da FURB, Brasil
  579. Dorothy Wigmore, MS, Occupational Health Specialist/Researcher, Canada
  580. Samuel Alves da Silva, Advogado, especialista em Direito do Trabalho, Turma XI-USP. Brasil
  581. Gicelli S da Silva Paixão, advogada, professora, pesquisadora GPMAT – USP, MBA em Direito Previdenciário, pós graduanda em Direito do Trabalho pela USP. Brasil
  582. Ricardo Sant’ Ana Felix dos Santos, antropólogo, doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF (PPGSD), professor substituto da Faculdade de Educação da UFF e pesquisador independente.
  583. Carolline Vasconcellos Pereira, Pesquisadora da UFRJ
  584. Giuseppe Ludovico Università degli Studi di Milano
  585. Alvaro Neder, Professor Titular de Etnomusicologia, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro / UNIRIO
  586. Júlia Donley, doutoranda em sociologia – Universidade Sorbonne Nouvelle (CREDA UMR 7227)
  587. Silvia Sobreira, Professor Federal University of the State of Rio de Janeiro-Brazil 
  588. José Alberto Salgado, Professor Titular, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
  589. Heloisa Helena A Borges Q. Goncalves, Unirio, Brazil
  590. Dr Matthew Cole, Lecturer in Technology, Work and Employment, University of Sussex, United Kingdom
  591. Daniela Muradas, Professora de Direito do Trabalho da UFMG 
  592. Almir Cortes Barreto
  593. Mary Anne Pedro Ferreira, researcher, Federal University of Rio de Janeiro
  594. Ana Larissa da Silva Brasil, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.
  595. Melissa Muindi, lecturer, Strathmore Law School, Kenya.
  596. Eva Kocher, Professor, Center for Interdisciplinary Labour Law Studies, Law Faculty, European University Viadrina Frankfurt (Oder) Germany
  597. Valdiney Vinagre Mendes, Centro Universitário Fibra, Belém, Brazil
  598. Camila da Fonseca Aranha, University of Kassel, Germany
  599. Liza Guedes Vilhena Marcachini, Programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Ouro Preto, Brazil
  600. Almiro Eduardo de Almeida, Professor na Universidade de Santa Cruz do Sul, Brazil
  601. Víctor Riesgo Gómez, profesor Universidad de Salamanca
  602. Catherine Sauviat, Research associate, Ires.
  603. Cinara L. Rosenfield, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil
  604. Marco Marrone, Università of Salento, Italy
  605. Jérôme Pélisse, Professor of Sociology, Sciences Po Paris, France
  606. Christophe Teissier, Project Manager, Ultra Laborans, France
  607. Shintaro Matsunaga, Nagano University, Japan
  608. Toru Takeoka, Ritsumeikan University, Japan
  609. Sidnei Machado, Universidade Federal do Paraná, Brasil
  610. Cristina Alessi, University of Brescia (IT)
  611. Scott Hurrell, senior lecturer in Human Resource Management, University of Glasgow.
  612. Sergio Gamonal C., Universidad Adolfo Ibáñez, Chile.
  613. Tania Toffanin, National Research Council, ISMed, Italy.
  614. Anne Eydoux, Conservatoire national des arts et métiers, Paris
  615. Christopher Albertyn, Labour Arbitrator, Toronto.
  616. Eric Tucker, Emeritus Professor of Law, York University
  617. Jelena Starcevic, PhD student, School of Labour Studies,     McMaster University, Canada
  618. Carole Yerochewski, CRIMT, Université de Montréal
  619. Manuel Salamanca Cardona, Centre des travailleurs immigrants de Montréal (Canada). 
  620. Karen Artur, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil.
  621. Gabriela Neves Delgado, Professora Titular de Direito do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB)  
  622. Audrey Laurin-Lamothe, Professeure agrégée, York University
  623. Keita Matsushita, Professor, Kansai University, Japan
  624. Helena Ysàs Molinero, Assistant Professor Labour Law, Autonomous University of Barcelona
  625. Anna Fenoglio, Associate Professor, University of Turin, Italy
  626. Kristýna Menzelová, Ph.D. student, Charles University, Czech Republic
  627. Marcos Romualdo Costa, Visiting Professor, Brain Institute, UFRN, Natal, Brazil
  628. Jean-François Trani, Professor, Conservatoire national des arts et métiers, Paris, France
  629. Marcelle Guertin, professeure retraitée, Université de Montréal
  630. Armando Matheus De Lima Leite, advogado, UFPA, Belém, Brasil
  631. Nadia Duchene, Maître de conférences, UPEC, Créteil.
  632. Christina R. Brown, Doctorante, Cnam Paris, France. 
  633. Felipe Espindola Carmona, Porto Alegre RS, Brasil, advogado.
  634. Guillaume Marche, professor of American studies, Université Paris-Est Créteil, France
  635. Jules Falquet, Professor of Philosophy, Université Paris 8-St Denis, France
  636. Martin Frager Perrier, Doctorant, Université Paris 8, France. 
  637. Alessandra Rachid, UFSCar, São Carlos SP, Brasil
  638. Monica Michlin, Université Paul-Valéry–Montpellier 3, France.
  639. Joannes Paulus Silva Forte, Professor Adjunto da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA-CE), Brasil.
  640. Jordi Othon Angelo, advogado, doutorando em Direito na Universidade de Brasília (UnB), Brasil.
  641. Graça Druck – professora titular da Universidade Federal da Bahia
  642. Claire Delahaye, Associate Professor of American Studies, Université Gustave Eiffel, France
  643. Sid Ahmed SOUSSI, professeur, Université du Québec à Montréal, Canada.
  644. Jacques FREYSSINET, professeur émérite, Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne
  645. Youssef Sadik, Faculty of Law, Economic and Social Sciences, Mohammed V University in Rabat (Morocco)

If you have any problems signing the letter or if you have any questions or suggestions about publicising it, please contact Rodrigo Carelli or Donna Kesselman at defendbrazilianlabourlaw@gmail.com.

Justiça espanhola entende como ilegal a terceirização da Cabify

Rodrigo Carelli, Coordenador do Trab21, Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Duas decisões no mesmo dia demonstram a distância que há entre o Supremo Tribunal Federal e as cortes europeias.

A notícia de cá dá conta de que a primeira turma da Suprema Corte negou vínculo empregatício entre a Rappi e um entregador, que havia sido reconhecido pela Justiça do Trabalho até no Tribunal Superior do Trabalho.

A notícia da parte mais civilizada do mundo vai em sentido completamente inverso na proteção aos trabalhadores de plataforma digital. A Cabify, na Espanha, tem seus motoristas contratados como empregados por empresas, que cedem esses trabalhadores para realizar o serviço para a plataforma. Para o cliente é a mesma experiência, mas os trabalhadores são reconhecidos como empregados, mas das empresas terceirizadas, não da contratante. O Tribunal Social de Valencia entendeu que se trata de “cesión ilegal de trabajadores”, ou seja, algo como mero fornecimento de mão de obra, e não uma verdadeira terceirização e manteve a autuação realizada pela Inspeção do Trabalho. Os argumentos da decisão foram: 1) que a empresa, como a Uber, é um serviço de transporte, e não mera intermediação digital; 2) que a propriedade dos meios de produção essenciais, a plataforma digital, é de propriedade da Cabify, pela qual todo o trabalho é entregue aos motoristas, sem a qual o serviço não é realizado, ressaltando que nas regras de uso há expressamente a proibição de oferecimento de transporte diretamente aos clientes da Cabify; 3) foi verificado o poder de direção da empresa, por meio da plataforma digital, com indicação de rota, controle por GPS, geolocalização e avaliação dos clientes na própria plataforma, que tem o poder de dispensar os trabalhadores; 4) o preço da corrida é aplicado pela Cabify e controla as horas de trabalho para que o empregador formal pague os motoristas; 5) a imagem dos veículos e dos condutores é estipulada pela Cabify.

Assim, no país europeu o poder judiciário está preocupado não somente com os direitos dos trabalhadores, mas também com que esses sejam efetivos e completos, identificando corretamente o empregador. Verifica-se também que a corte europeia tem os pés fincados na realidade, não sendo seduzida pelos argumentos ideológicos que não têm nenhuma relação com os fatos, como a de auto-empreendedorismo, liberdade de contratação, empresas tecnológicas etc.

Um dia os ventos da civilização e do progresso voltarão a soprar pelas bandas do sul global.

Resenha do filme Triângulo da Tristeza

Stella Mendes de Castro Reis[1]

Eneida Maria dos Santos[2]

Jackeline Cristina Gameleira Cerqueira da Silva[3]

ATENÇÃO! CONTÉM SPOILERS!

Escrito e dirigido pelo sueco Ruben Östlund (Suécia, Alemanha, França, Reino Unido, Estados Unidos, 2022), o filme se subdivide em três grandes partes (ou atos), que mesclam elementos de comédia e sátira. A primeira é destinada a apresentar o casal Carl e Yaya, ambos modelos e ela, também, influenciadora digital. A segunda parte desenvolve-se em um navio com um grupo seleto de milionários excêntricos, após Yaya ganhar essa viagem de luxo através de seu trabalho como influenciadora digital. Logo após, ocorre um naufrágio e, partir daí, desponta a terceira parte do filme em que alguns dos passageiros acabam tendo que buscar sobreviver em uma ilha deserta.

Além de evidentes críticas à subordinação econômica e às disparidades no modo de vida das diferentes classes sociais, a partir do longa-metragem é possível problematizar outras características inerentes à sociedade capitalista moderna, tais como as opressões racial e de gênero, que culminam na hierarquização social e a manifestação de desigualdades estruturantes. A resenha irá se debruçar sobre as questões relacionadas ao trabalho no modo de produção capitalista, com enfoque na maneira subalternizada com que as classes trabalhadoras se relacionam com os patrões, na divisão racial do trabalho e na problemática que gira em torno do trabalho de produção de conteúdo digital.

As críticas ao sistema capitalista em sua dimensão de classes estão presentes na maior parte do filme de forma cômica e até mesmo vulgarizada, como é o caso do embate ideológico travado entre o capitão do navio, estadunidense comunista, e um dos passageiros, o russo capitalista. Porém, a principal demonstração do antagonismo de classe aparece de forma mais sutil, porém reveladora: ao longo de basicamente todo o filme, as cenas são compostas por passageiros da classe abastada e trabalhadores, contrastando a presença de um à presença do outro. Harvey (2013, p. 78-79), ao abordar o conceito de classe para Marx, elucida que a ascensão da classe capitalista ocorre junta e paralelamente à formação de um proletariado. Ou seja, reforça a existência de uma oposição simbiótica e ao mesmo tempo indispensável entre uma classe, que dirige o processo de trabalho e adquire para si os frutos desse processo, e outra classe, cuja característica central é a venda de sua força de trabalho como meio de subsistência, de modo que uma não subsiste sem a outra. Tal relação simbiótica, portanto, é retratada ao longo do filme.

Ainda sob a perspectiva da crítica direcionada à burguesia, o ponto alto da segunda parte do filme é representado pelo jantar de luxo servido em meio à tempestade, sendo o estopim de uma grande indigestão caótica que atinge praticamente toda a tripulação. Trata-se da demonstração e do reforço, ainda que simbólico, dos traços humanos de uma classe que dissemina, por meio de ideologias, um modo de vida incompatível de ser usufruído por todos, conquanto seja perseguido e idealizado muitas das vezes, pelos sujeitos dominados, como pode ser observado através do comportamento de Yaya. Concomitantemente, trata-se de analogia satírica às sujeiras que permeiam os atos dessa classe privilegiada, em uma referência à dominação e à exploração, sendo tais sujeiras expostas na cena de forma crua, através de uma espécie de escatologia cômica.

O terceiro ato expõe um modelo social dissonante daquele retratado na primeira e segunda partes, demonstrando uma inversão dos papéis sociais desempenhados pelas personagens, sobretudo no que concerne à divisão do trabalho. Após o naufrágio, tendo que buscar uma organização em que garanta a sobrevivência, a camareira Abigail assume a liderança do grupo em virtude de sua capacidade de pescar e angariar comida. Tal situação pode ser encarada, em certa medida, como uma evidência da centralidade do trabalho humano. Desde Hegel, o trabalho já havia sido considerado a essência do ser humano, ao passo que Marx corporifica tal atividade, substituindo o trabalho espiritual abstrato pela atividade material objetiva. Em seu debate filosófico exposto na obra “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, o autor rompe com o idealismo hegeliano, assumindo como método o materialismo histórico-dialético e reforçando a importância histórica do trabalho na formação do ser social (Marx, 2008). O trabalho é tangenciado, portanto, como uma autoatividade e uma objetivação, características que se perdem após o desenvolvimento da sociedade de classes, mormente com a ascensão do capitalismo enquanto modelo econômico e social hegemônico, no qual passa a ser tratado como mercadoria, fato bastante evidenciado na obra ora em debate.

Simultaneamente ao debate de classes, a divisão racial do trabalho é retratada no filme diante da racialização da classe trabalhadora, que envolve profissionais de descendência asiática e merece reflexão por meio da teoria crítica racial, cujo aporte teórico se faz necessário para a compreensão da referida dinâmica laboral. O movimento estuda a relação entre raça, racismo e poder e define a raça como uma construção social mutável, “que a sociedade inventa, manipula e descarta conforme lhe convém” (Delgado; Stefancic, 2021, p. 34). Com base em tal entendimento, o movimento possui desdobramentos em estudos raciais, como sob a perspectiva dos latinos (LatCrit) e asiáticos (AsianCrit), e suas intersecções de gênero e suas abordagens críticas feministas, interseccionais, incluídos os teóricos LGBT (QueerCrit).

O racismo, assim como o patriarcado, por exemplo, são sistemas de opressão estruturais do capitalismo que divide a classe trabalhadora, hierarquizando-a com base em tais construções sociais (Robinson, 2020). Para Nancy Fraser (2018), revisitando a teoria marxista, o racismo cumpre o papel de hierarquizar trabalhadores, sendo os racializados, historicamente escravizados, dependentes e não ou mal pagos, expropriados de sua força de trabalho, enquanto aos não racializados, haveria a concessão do status de trabalhador, ainda explorado, mas não expropriado.

Nesse sentido, a hierarquia entre trabalhadores é evidente no filme, especialmente na parte que se passa dentro do iate, em que profissionais brancos com padrão de beleza normativo da branquitude relacionam-se diretamente com os hóspedes do barco, enquanto os racializados ficam invisíveis, instalando-se inclusive no andar mais baixo da embarcação e desempenhando as tarefas mais subalternizadas. Tal realidade também é esclarecida por acadêmicos da Teoria Crítica Racial, como Cheryl I. Harris (1995, p. 286), que defende o conceito de branquitude como propriedade em que seus privilégios permitem que “trabalhadores brancos frequentemente se identifiquem primeiramente como brancos e não como trabalhadores porque, por meio de sua branquitude, eles têm acesso a benefícios públicos, privados e psicológicos” (tradução nossa).

Ademais, o filme também faz emergir críticas ao trabalho de influenciadora digital desempenhado por Yaya, que possibilitou a ela e a seu companheiro a viagem na luxuosa embarcação. O trabalho de criação de conteúdo digital está inserido no sistema do estrelato, por meio do qual plataformas, como Instagram, Youtube e Twitch, organizam as pessoas trabalhadoras. Nesse sistema, por meio da análise proposta por Jaron Lanier (2014) e verificada na plataforma da Twitch, por exemplo (Silva, 2022), apenas uma pequena parcela de pessoas compõe o topo, com a maior parte da audiência e das vantagens, como a maior remuneração financeira. A base, composta pela maioria das pessoas criadoras e consumidoras de conteúdo, é responsável por sustentar o sistema, sem, no entanto, receber uma retribuição justa pelo trabalho desempenhado.

Dessa forma, na tentativa de ascensão ao topo do sistema do estrelato, muitas pessoas criadoras de conteúdo, como Yaya, buscam aparentar já possuírem status mais elevado dentro da plataforma e, por conseguinte, dentro da própria sociedade. Contudo, essa aparência não retrata a realidade concreta, marcada por baixa ou nenhuma remuneração, característica de uma classe social desprivilegiada. Trata-se de um jogo de aparências, em que a pessoa simula a realidade que gostaria de vivenciar, tentando, com isso, torná-la concreta. Se durante esse processo, a pessoa criadora de conteúdo for aceita no grupo social mais elevado, a tendência existente é que, a partir desses contatos, ela consiga ascender progressivamente, conquistando a visibilidade e as vantagens desse grupo social. Observa-se, portanto, um trabalho por esperança (Kuhnen; Corrigan, 2013), em que a pessoa trabalhadora investe sua baixa remuneração do presente, esperando conquistar, no futuro, retribuição financeira adequada, reconhecimento social e demais vantagens imanentes à sociedade de classes.

Ressalta-se, por fim, que, apesar de não conter críticas inovadoras, o filme, com seu formato cômico e satírico, apresenta-as de modo atraente, abrindo margem para relevantes questionamentos acerca das relações de trabalho desenvolvidas no capitalismo, as disparidades entre classes sociais, além das relações verticais envolvendo opressões de raça e gênero e seus desdobramentos na contemporaneidade.

Referências

DELGADO, Richard, STEFANCIC, Jean. Teoria crítica da raça: uma introdução. São Paulo: Editora Contracorrente, 2021.

FRASER, Nancy (2018c): “Is Capitalism Necessarily Racist?” [2018 Presidential Address, APA Eastern Division], Proceedings and Addresses of the American Philosophical Association, vol. 92, pp. 21–42.

HARRIS, Cheryl I. Whiteness as Property. In: CRENSHAW, Kimberlé, GOTANDA, Neil, PELLER, Gary, THOMAS, Kendall(ed.). Critical Race Theory: the key writings that formed the movement. New York: The New Press, 1995.

HARVEY, David. Os Limites do Capital. São Paulo: Boitempo, 2013.

KUEHN, Kathleen; CORRIGAN, Thomas F. Hope labor: The role of employment prospects in online social production. The political economy of communication, v. 1, n. 1, 2013.

LANIER, Jaron. Who owns the future?. Simon and Schuster, 2014.

MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2008.

ROBINSON, Cedric J. Black Marxism: the making of the black radical tradition. United States: University of North Carolina Press, 2020.

SILVA, Jackeline Cristina Gameleira Cerqueira da. Streamers sob as regras do jogo da Twitch: desafios jurídicos do trabalho em uma plataforma digital social. Orientador: Rodrigo Carelli. 2022. Dissertação (Mestrado em direito) – Programa de Pós Graduação em Direito – UFRJ, [S. l.], 2022.


[1] Mestranda em Direito pelo PPGD – UFRJ, pesquisadora dos grupos TRAB 21 e CIRT.

[2] Doutoranda em Direito pelo PPGD-UFRJ, pesquisadora do grupo TRAB21.

[3] Mestra em Direito pelo PPGD-UFRJ, pesquisadora do grupo TRAB21.

DIREITO DO TRABALHO PISADO COMO BARATA: JULGAMENTO DE 8 FEVEREIRO, STF E A FALÊNCIA DO PRECEDENTALISMO “À BRASILEIRA”

Rodrigo de Lacerda Carelli

Doutor em Ciências Humanas pelo IESP/UERJ. Coordenador e pesquisador do “Trab21” (UFRJ). Procurador do Trabalho.

Fydel Marcus R. Mota

Doutorando e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Pernambuco. Membro dos Grupos de Pesquisa “Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica” (UFPE) e “Trab21” (UFRJ).

No conto “A Metamorfose”[1], Franz Kafka nos apresenta a história de um caixeiro-viajante, chamado Gregor Samsa, que, repentinamente, acordou um belo dia e se deu conta de ter se transformado em um “gigantesco inseto”. Pior, como inseto autoconsciente, não conseguia falar ou se mover da cama, além do que, constantemente pensava, estava atrasado para o trabalho e precisava pegar o trem. Os familiares, ao descobrirem, são tomados inicialmente por um sentimento de horror, que é seguido por mistura de repugnância e abominação, e, finalmente, indiferença ao inseto-parente no leito de vida e morte, que, enfim, sucumbe após semanas sem comida e água.

Com o julgamento da Reclamação n. 64.018 marcado para a próxima quinta-feira dia 8 de fevereiro de 2024, o conto kafkaniano vem à memória ao examinar o tratamento que o Supremo Tribunal Federal tem dispensado à Justiça do Trabalho e ao Direito do Trabalho como um todo nos últimos meses, especialmente no que se refere aos temas de vínculo de emprego, pejotização, terceirização e trabalho controlado por empresas proprietárias de plataformas digitais[2].

Diversos artigos têm sido publicado recentemente, especialmente sobre o mérito da Reclamação, no que diz respeito à existência ou não subordinação jurídica entre as empresas proprietárias de plataformas digitais e os trabalhadores dessas plataformas, seja abordando as falácias cometidas pelos defensores da inexistência de vínculo[3], a má compreensão do papel do Direito do Trabalho no sistema capitalista[4], violação aos direitos trabalhistas como violação aos direitos humanos[5], por isso mesmo ensejadora de acionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos[6], a confusão de questões técnicas com político-ideológicas[7], entre diversos outros.

Entretanto, neste curto artigo, queremos tratar da questão sob um aspecto diferente e pouco analisado até aqui, com as máximas e devidas vênias: o STF e a falência do sistema de precedentes no Brasil. Muito mais do que uma impropriedade de índole meramente técnica, os atropelamentos cometidos pela Suprema Corte, data venia, pela via estreita da Reclamação Constitucional, notoriamente descabida para reexaminar fatos e provas já apreciadas pelos Juízes e Tribunais Regionais do Trabalho, soberanos nessa questão, evidenciam não somente a imaturidade, mas a verdadeira bancarrota, a ruína do precedentalismo “à brasileira”[8], que tem como primeira vítima, por motivos inegavelmente ideológicos, o Direito do Trabalho[9].

Imagine você, colega operador do direito civilista, estar-se diante de uma demanda que envolve matéria de fraude ou de vício de consentimento em qualquer cenário de relação cível, digamos “compra e venda de imóvel”, a ensejar alguma das hipóteses de nulidade ou invalidade de negócio jurídico (erro, dolo, coação, etc), e ficar impossibilitado de suscitar essa questão porque o STF tem dito, em Reclamações Constitucionais, que “todo contrato é válido sob qualquer hipótese e não se admite discussão sobre vício de vontade ou qualquer outro tipo de fraude”. E mais, o juiz do seu processo, se cometer o atrevimento de exercer seu papel de julgador e primeiro apreciador dos fatos e provas da causa, não só terá sua decisão cassada por idêntica Reclamação, como também será ameaçado de responder por sua conduta audaciosa na Corregedoria[10].

Imagine você, colega operador do direito criminalista, receber uma intimação para defesa do seu cliente e não poder discutir qualquer questão relacionada à validade da produção de provas pela autoridade policial ou a denúncia promovida pelo Ministério Público, como preservação da cadeia de custódia de prova ou “fruit of the poisonous tree”, porque o STF decidiu que “toda denúncia é válida e não se admite qualquer questionamento de índole fático-probatória”. Imagine você, colega operador do direito tributarista, estar diante de uma execução fiscal promovida pela Fazenda e não poder discutir qualquer questão relacionada à validade da CDA porque o STF decidiu que “Toda CDA é válida e o juiz é proibido de analisar qualquer vício ou questão que demande análise fático-probatória da questão”. Não esqueçamos da ameaça à Corregedoria, claro, e os exemplos podem ser invertidos, e nossos colegas delegados, promotores de justiça e procuradores da fazenda também serem os vitimados.

Os exemplos acima, anedóticos, têm a serventia de ilustrar o nível de absurdez e teratologia que tem ocorrido com o Direito do Trabalho especialmente nos últimos meses, em que o STF, data venia, a pretexto de “pacificar a insegurança jurídica” sobre referidos temas no ramo laboral, tem promovido, ao revés, um verdadeiro cala-boca e amordaçamento em todo um ramo da Justiça Brasileira, valendo-se de instrumentos processuais claramente inapropriados para tal desiderato, vez que a Reclamação Constitucional, como já dito e sobredito, jamais pode avançar sobre matérias que demandam exame fático-probatório, mas meramente realizar o controle de observância às teses jurídicas abstratas emanadas pela órgão.

Não por acaso, nessa novela que se desenrola nos últimos meses, quando ainda não se tinha um cenário de quase-unanimidade, e em que toda semana saíam notícias de decisões monocráticas de Ministros da Suprema Corte sobre subordinação jurídica, pejotização e terceirização[11] (até mesmo de Ministros que hoje mudaram repentinamente de opinião, como o Ministro Fux), várias delas asseveraram o óbvio: se o juiz entendeu, à luz dos fatos e provas produzidos no processo, que houve fraude, ou que estiveram presentes os requisitos de vínculo de emprego do art. 2º e 3º da CLT, ocorre a hipótese de distinguishing[12] autorizado pelo CPC e, portanto, não há aderência estrita entre a decisão discutida em Reclamação e o precedente enunciado como violado pelo reclamante[13].

Isto é, respeitosamente, básico, é “beabá” processual, não só no âmbito trabalhista, mas, especialmente, de onde a própria doutrina do distinguishing se desenvolveu: da ciência processualista-cível, coisa que aluno de segundo ano de graduação já aprende, e que é diuturnamente aplicado no processo do trabalho por força de lacuna normativa (art. 769, CLT). Entretanto, a técnica do distinguishing, ao que nos parece da compreensão da Suprema Corte, não é válida quando se está diante de relações trabalhistas e decisões advindas da Justiça do Trabalho. O juiz trabalhista, nessa visão ideologicamente distorcida, não tem a mesma prerrogativa e autonomia de decidir, de estabelecer norma jurídica ao caso concreto[14], assim como seus pares da Justiça Comum; sua investidura ao cargo de juiz (do trabalho), após regular aprovação em concurso público, continha uma nota de rodapé invisível e somente agora revelada: não pode apreciar fatos e provas, somente deve aplicar as teses abstratas oriundas da Suprema Corte. Deve incorporar-se na antiga figura napoleônica do juiz “bouche de la loi” (boca de lei), atualizado agora para ser a mais nova e atualizadíssima figura do juiz “bouche de la Cour suprême” (boca de Suprema Corte).

O nível de violência institucional de que o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho têm sido vítimas justamente por aquele que deveria ser guardião da Constituição promove profundo sentimento de consternação e estarrecimento; ficará, por certo, manchado na história da Justiça Brasileira como exemplo de “lawfare” institucional cometido não contra um indivíduo ou grupo de pessoas, mas contra um ramo inteiro da própria Justiça, em estranho caso de autofagia político-ideologicamente motivada. Em tempos pós-modernos em que tudo se transforma no seu inverso e tudo é pós-verdade[15], nada mais consentâneo que a Suprema Corte também inverta seu papel institucional: de guardião a desguardião da Constituição.

A violência institucional tem chegado a um ponto que nunca se imaginou. Foi criado o Exame Nacional da Magistratura, como uma etapa obrigatória para todas as pessoas que desejam ser magistradas no Brasil, em qualquer dos ramos. No entanto, não haverá questões de direito do trabalho. Não há a disciplina autônoma do ramo laboral, e, pasme-se!, apesar de constar no edital que em Direito Constitucional poderá haver questões de Direito Constitucional do Trabalho, toda a parte dos direitos fundamentais trabalhistas, do art. 7º ao 11, foram extirpados do programa.[16]

O cenário é agravado quando se verifica que, das mais de cinquenta decisões, entre monocráticas e colegiadas, proferidas pela Suprema Corte nas matérias trabalhistas outrora indicadas (terceirização, pejotização e trabalho controlado por plataforma) somente nos últimos 12 meses, a sua quase totalidade, para não dizer a totalidade[17], referem-se a casos em que os Tribunais do Trabalho efetivamente adentraram ao material fático-probatório e concluíram, no caso concreto, pela existência dos elementos que remetem à existência da fraude, em violação ao art. 9º da CLT, em conjugação com os elementos de vínculo de emprego dos arts. 2º e 3º do mesmo diploma consolidado. Nesses casos, como vem sendo reiteradamente apontado nos artigos e palestras de nossos colegas juslaboralistas[18], em vez de descumprir, os juízes e Tribunais do Trabalho têm cumprido à risca os precedentes da própria Suprema Corte, os quais ressalvaram as hipóteses de fraude e presença dos elementos do vínculo de emprego como hipóteses autorizadoras de não aplicação ou não aderência estrita do precedente com o caso concreto[19]. Em nova e surpreendente inversão, verifica-se que quem descumpre as próprias decisões do Supremo é ele mesmo.

Mas também consterna e surpreende, assim como Gregor Samsa para com seus familiares, o nível de indiferença e passividade dos colegas de outros ramos do Direito, com notáveis exceções[20], com a violência institucional que o Direito do Trabalho tem sofrido, especialmente porque, antes mesmo de se tratar de questão eminentemente trabalhista (vínculo de subordinação jurídica), a primeira vítima não é outra coisa senão a Ciência do Direito Processual e sua (completa) má-aplicação, especialmente no que concerne, como já sobredito, ao capítulo de teoria de precedentes, e não só ele, mas também capítulos de teoria de cognição, produção probatória, e da própria Jurisdição, entre outros; em verdade, a própria autonomia da ciência processual em questão.

A vingar o prenúncio de destruição e início do fim do Direito do Trabalho no próximo dia 8 de fevereiro, em que o STF, se confirmadas as previsões, atropelará, pela via estreita e incabível da Reclamação Constitucional, milhares de artigos, livros, dissertações de mestrado e teses de doutorado de especialistas nacionais e internacionais sobre o assunto de trabalho plataformizado nos últimos quase 10 anos, além de dezenas de decisões de Supremas Cortes de outros países, inclusive de sua maioria considerados “desenvolvidos”[21] (nenhum deles, aliás – livros artigos e decisões – referenciado ou mencionado como manda a melhor doutrina de teoria de precedentes, ao tratar da necessidade de fazer o cotejo analítico dos melhores argumentos das correntes argumentativas contraditórias em questão, ao revés do que vemos ocorrer com julgamentos de outros ramos), todos nós operadores do direito dos diversos ramos devemos iniciar um amplo processo de rediscussão do sistema processual e também do próprio sistema de Justiça brasileiro, baseado nos seguintes (novíssimos) princípios meramente exemplificativos a seguir indicados, sem prejuízo de outros a nascerem das discussões:

  1. Juízes de 1ª e 2ª instância estarão, a partir deste momento em diante, proibidos de interpretar, analisar fatos e provas, fazer distinguishing, ou, enfim, aplicar o direito à espécie. Por isso mesmo os artigos que atribuem competência para processar e julgar aos Tribunais de nível hierárquico inferior ao Supremo Tribunal (art. 109 – Justiça Federal; art. 111 – Justiça do Trabalho; art. 118 – Justiça Eleitoral; art. 122 – Justiça Militar; e art. 125 – Justiças Estaduais) são incompatíveis com a Constituição de 1988[22], em razão do novíssimo princípio nascido e denominado de “Supremacia da Suprema Corte sobre a Constituição”[23];
  2. Todos os incisos do art. 489, §1º, do Código de Processo Civil, que tratam da fundamentação de decisões judiciais, são inconstitucionais, especialmente o inciso VI, uma vez que está proibido invocar distinção no caso em julgamento ou mesmo sua superação; o juiz deve seguir cegamente o enunciado de súmula ou precedente oriundo do STF, em atendimento ao novo princípio da “cegueira deliberada em favor dos precedentes supremos”;
  3. São inconstitucionais todas as hipóteses de invalidação de negócio jurídico previstos no Código Civil de 2002 (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, fraude contra credores e simulação – arts. 138 a 184), uma vez que não é dado ao Juiz conhecer ou apreciar qualquer argumento que mesmo de longe remeta à apreciação de fraude, vício de vontade ou exame de material fático-probatório; todos os documentos apresentados por quaisquer das partes são verdadeiros e legítimos com presunção absoluta (“jure et de jure”), conformando o novo princípio da “prevalência absoluta do documento sobre a realidade”. Em caso de impasse, proceder conforme princípio de n. 4 a seguir;
  4. É flagrantemente inconstitucional o art. 371 do Código de Processo Civil, no trecho em que afirma que o “juiz apreciará a prova constante dos autos”, uma vez que, pelo princípio de n. 1, não é dado ao juiz de esfera nenhuma realizar qualquer apreciação de prova no processo, em atendimento ao novíssimo princípio “da vedação absoluta da apreciação dos fatos e da prova”. Por arrastamento, são inconstitucionais idênticas ou similares disposições no Código de Processo Penal, na parte processual da CLT, CTN e também da legislação eleitoral. Deve o juiz agora procurar a existência de precedente oriundo do STF no site da Corte, e, em caso de inexistência, declarar a hipótese de permissão ao “liquet”[24], que agora é expressamente admitido no ordenamento pátrio, declarando o juiz que o feito não possui resposta válida no ordenamento jurídico e deve aguardar suspenso por tempo indeterminado até decisão abstrata do STF sobre a matéria;
  5. Em razão dos princípios acima enunciados, não será mais necessário juiz de carreira, investido após aprovação em regular concurso público, receber e processar as causas em 1ª instância, pelo que o art. 37, II, da Constituição Federal não é mais aplicável. Serão abertos concursos de “tecnólogos” em direito, cuja atribuição, ao receber a demanda no PJe, será pesquisar no site do STF a existência de algum precedente que se aplique, até mesmo de modo remoto (já que, sabemos, não há necessidade de estrita aderência entre o precedente e o caso trazido ao Judiciário, conforme o STF nos vem ensinando), aplicando referido precedente em caso positivo, e, em caso negativo, proceder conforme princípio n. 4 acima, em observância ao novo princípio da “desnecessidade do juiz togado para julgar processos”, também conhecido como princípio da “suficiência do tecnólogo pesquisador de internet”.

É claro que os “princípios” acima são dotados de certo teor de hipérbole e ironia, pelo que de antemão nos desculpamos com o leitor, mas tal nível de exorbitância é necessária para chamar a atenção para tamanha e desproporcional violência institucional dispensada ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho como um todo pela Suprema Corte. Ocorresse o mesmo com o ramo dos nossos colegas civilistas, tributaristas, criminalistas, eleitoralistas, etc, não deixamos de pensar e imaginar os hipotéticos alvoroços, abaixo-assinados, manifestações de cartolina, passeatas e rebuliços institucionais (todos pacíficos, claro) que todos eles fariam (e nós também trabalhistas, unidos à causa) em razão da destruição do sistema constitucional-processual brasileiro e desmonte da Constituição por aquele que foi jungido de protegê-lo e conservá-lo de tais males.

Medo da automação, algoritmos, inteligência artificial e dos robôs substituírem as atividades do Juiz em futuro não tão longínquo?[25] Que nada! Juízes e Desembargadores serão substituídos e substituíveis por uma canetada só do STF, que, em julgamento em sede de Reclamação Constitucional, terá dito, nas entrelinhas, que juízes de 1ª e 2ª instância estão efetiva e terminantemente proibidos de interpretar e examinar material fático-probatório de casos concretos, assumindo, em seu lugar, em futuro não tão distante, tecnólogos do direito, que também ocuparão, por certo, as cadeiras dos promotores, procuradores e advogados, já que não haverá mais necessidade de petições iniciais de ações ou denúncias; bastará a indicação de links da reposição de jurisprudência do STF, seguidos de um “joinha”, em uma nova era “facilitada” do Direito.

Voltando ao nosso caixeiro-viajante trabalhador (e trabalhista) Gregor Samsa, profusamente esperamos que o destino do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, no próximo 8 de fevereiro, não seja o mesmo dele: combalido da indiferença dos seus pares, faleceu em seu leito, privado de água e comida, tratado e pisado como barata, penetrando-lhe a consciência os “primeiros alvores do mundo que havia para além da janela”, e “das ventas correu seu último e fraco suspiro”[26]. Que os amici curiae habilitados no processo possam relembrar o que está em jogo nesse julgamento do dia 8 de fevereiro, muito além de questões de subordinação jurídica e vínculo de emprego; que o STF possa uma vez mais, como tempos de outrora, afastar-se de argumentos político-ideológicos e exercer novamente seu papel de guardião da Constituição e dos direitos humanos fundamentais[27], de que são parte inegavelmente os direitos trabalhistas.


[1] KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Petê Rissatti. 1a edição. Rio de Janeiro: Editora Antofágica, 2020.

[2] Atualmente, a maioria dos acadêmicos e estudiosos convencionou utilizar a nomenclatura “empresas-plataforma” para denominar as empresas que se utilizam desse trabalho plataformizado, como Uber, Ifood, etc. Autores com perfil mais crítico preferem lembrar que essas empresas não são ou não se identificam com a plataforma, mas sim são a sua proprietária, portanto, são empresas proprietárias de plataformas de determinado segmento econômico (assim, Uber seria, nessa denominação, uma “empresa proprietária de plataforma que explora a atividade econômica de transporte de passageiros”, e assim por diante). Quaisquer das denominações podem ser utilizadas, à exceção de “trabalho por aplicativo”, que contém uma compreensão equivocada sobre a forma em que esse trabalho é prestado (afinal, o aplicativo de per si não contém o trabalhador, é a mera interface da plataforma). Para saber mais, cf. CARELLI, Rodrigo de Lacerda; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. As plataformas digitais e o Direito do Trabalho: como entender a tecnologia e proteger as relações de trabalho no século XXI. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021.

[3] LEME, Ana Carolina Paes et al. Sem falácias, a real do 1 bilhão. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-26/opiniao-falacias-real-bilhao/. Acesso em: 4 fev. 2024.

[4] CARELLI, Rodrigo Lacerda. Nota zero ao ministro Alexandre em Direito do Trabalho. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jun-13/rodrigo-carelli-nota-zero-alexandre-direito-trabalho/. Acesso em: 4 fev. 2024.

[5] CARELLI, Rodrigo Lacerda. O STF e o fim do trabalho escravo (e dos acidentes de trabalho). Jornal GGN. Disponível em: https://jornalggn.com.br/justica/o-stf-e-o-fim-do-trabalho-escravo-e-dos-acidentes-de-trabalho/. Acesso em: 4 fev. 2024.

[6] PORTO, Lorena Vasconcelos. Ainda há Juízes em Costa Rica. Empório do Direito. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/ainda-ha-juizes-em-costa-rica. Acesso em: 4 fev. 2024.

[7] LACERDA, Rosangela Rodrigues; VALE, Silvia Teixeira. STF discutirá futuro das relações trabalhistas no Brasil no dia 8/2. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-fev-01/stf-discutira-futuro-das-relacoes-trabalhistas-no-brasil-no-dia-8-2/. Acesso em: 4 fev. 2024.

[8] Como usado por Lênio Streck, ao fazer a crítica da importação cega e antinormativa do sistema de precedentes do Common Law ao sistema judicial brasileiro sem a devida conformação crítica e hermenêutica: STRECK, Lênio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes – Parte II. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-set-29/senso-incomum-critica-teses-defendem-sistema-precedentes-parte-ii/. Acesso em: 5 fev. 2024. Analisando especificamente o caso trabalhista, cf.: STRECK, Lênio Luiz. Ainda sobre a perda do caso concreto na “cultura dos precedentes”. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-21/ainda-sobre-a-perda-do-caso-concreto-na-cultura-dos-precedentes/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[9] Como evidenciado por Grijalbo Coutinho ao analisar as decisões proferidas pelo STF nas últimas décadas contra o Direito do Trabalho, influenciadas por matriz indiscutivelmente ideológica neoliberal. Cf: COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Justiça política do capital: a desconstrução do direito do trabalho por meio de decisões judiciais. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021.

[10] EDITORIAL. STF oficia CNJ sobre decisões da Justiça do Trabalho que ignoram jurisprudência. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-05/stf-oficia-cnj-sobre-decisoes-da-justica-do-trabalho-que-desrespeitam-jurisprudencia/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[11] Aliás, três temas constantemente confundidos entre si e com outros contratos de natureza civil, colocando tudo no mesmo balaio, trazendo uma sequência de precedentes que não dialogam, confundindo, ainda, instrumento de trabalho com meios de produção, como afirmado em: CARELLI, ref. 4.

[12] “[…] em havendo distinção (distinguishing) entre o precedente apontado como paradigma e o caso concreto submetido à apreciação do Julgador, é dever deste proceder à distinção, e não mera faculdade. Isto porque “[…] o direito à distinção é um corolário do princípio da igualdade. A ele corresponde um dever de o órgão julgador proceder à distinção – dever esse consagrado em diversos dispositivos da legislação brasileira. A distinção se impõe na aplicação de qualquer precedente, inclusive os vinculantes (enunciado n. 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis)” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. Salvador: Editora JusPODIVM, 2016, p. 492).

[13] Como afirmado pelo Ministro Edson Fachin em acórdão da Segunda Turma: “[…] A despeito do entendimento desta Corte relativo à compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa com qualquer forma de divisão do trabalho, bem como da compatibilidade com a Constituição Federal de outras formas de contratação que não somente a prevista na CLT, constata-se que o contrato de advogado associado foi afastado diante da constatação, à luz das provas dos autos, da presença dos elementos caracterizadores da existência do vínculo de emprego, nos termos do art. 3º, da CLT, capazes de afastar o contrato celebrado. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a ausência de identidade entre a hipótese versada na reclamação e aquela objeto do processo paradigma revela a falta de aderência estrita, pressuposto necessário ao processamento da reclamação. Logo, os fundamentos que embasam o presente recurso não são suficientes a reforma do que decidido, uma vez que patente se revela a ausência da identidade material sustentada pela parte agravante” (Rcl 55786 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 01-03-2023  PUBLIC 02-03-2023, grifos acrescidos). Mais recentemente, em decisão de 26 de janeiro de 2024, da lavra da Ministra CARMEN LUCIA: “[…] A situação posta na presente reclamação é diversa daquela cuidada nos preceitos apontados como paradigmas de descumprimento. Na espécie, as autoridades reclamadas reconheceram vínculo empregatício entre a beneficiária e os reclamantes, integrantes do mesmo grupo econômico, considerando válido o vínculo empregatício da beneficiária com os reclamantes. 9. Não se comprova descompasso nem estrita aderência entre os atos impugnados e o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 324, da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 48, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 3.961 e 5.625, por exemplo: […]” (Rcl 65137 / RJ – RIO DE JANEIRO -RECLAMAÇÃO – Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA – Julgamento: 26/01/2024, grifos acrescidos).

[14] “[…] o Magistrado, ao decidir, seja em qualquer tipo de provimento jurisdicional de natureza decisória, cria necessariamente duas normas jurídicas: uma, de caráter geral, que é fruto da sua interpretação/compreensão dos fatos envolvidos na causa, e da sua conformação ao Direito positivo (constituição, leis, etc); e a segunda, de caráter individual, que constitui a sua decisão para aquela situação específica que se lhe põe para análise” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. Salvador: Editora JusPODIVM, 2016, p. 477).

[15] Post-truth (pós-verdade): relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais, conforme o Dicionário Oxford, como citado em: HANCOCK, Jaime Rubio. Dicionário Oxford dedica sua palavra do ano, ‘pós-verdade’, a Trump e Brexit. EL PAÍS. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/16/internacional/1479308638_931299.html. Acesso em: 5 fev. 2024.

[16] Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM. Acesso em 06/02/2024.

[17] Como analisado por André Luiz Barreto de Azevedo, que revisou mais de 50 decisões do Supremo Tribunal Federal em artigo apresentado ao VII RENAPEDTS (Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social), realizado em setembro de 2023 em Salvador/BA, intitulado “A pejotização irrestrita das relações de trabalho nos serviços: esboços para um exame crítico de decisões jurídicas em reclamações constitucionais do STF” (anais no prelo). Também como analisado por Fabíola Marques: MARQUES, Fabíola. STF e a análise da competência da Justiça do Trabalho. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-01/reflexoes-trabalhistas-stf-analise-competencia-justica-trabalho/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[18] BRANDÃO, Cláudio. O STF, as reclamações trabalhistas e as fraudes. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-11/o-stf-as-reclamacoes-trabalhistas-e-as-fraudes/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[19] Lê-se da fundamentação do voto do Ministro Relator Luís Roberto Barroso na ADPF n. 324: “[…] 65. Nota-se, portanto, com base nas considerações acima, que o que precariza a relação de emprego não é a terceirização, mas seu exercício abusivo. A solução não está, portanto, em vedá-la, mas em definir um regime jurídico que evite abusos. (…) 84. Afirmar que a licitude da terceirização como estratégia negocial, tanto no que respeito à atividade-meio, quanto no que respeita à atividade-fim, não implica, contudo, afirmar que a terceirização pode ser praticada sem quaisquer limites. A prática tem demonstrado – … – que algumas empresas contratadas deixam efetivamente de cumprir obrigações trabalhistas e previdenciárias e que, quando acionadas, constata-se que tais empresas não dispõem de patrimônio para honrar as obrigações assumidas. Ora, se as normas trabalhistas e previdenciárias elementares são descumpridas por algumas contratadas, é de se supor que o mesmo ocorra com normas de saúde e segurança no trabalho. 85. Pois bem. Como já observado, a atuação desvirtuada de algumas terceirizadas não deve ensejar o banimento do instituto da terceirização. Entretanto, a tentativa de utilizá-lo abusivamente, como mecanismo de burla de direitos assegurados aos trabalhadores, tem de ser coibida. Essa é a condição e o limite para que se possa efetivar qualquer contratação terceirizada. […] 92. De fato, embora não haja óbice constitucional à terceirização, diante do quadro traçado inclusive nos memorais ofertados pelos amici curiae, não seria compatível com a Constituição simplesmente reconhecer a sua validade sem estabelecer mecanismos de proteção a direitos cuja obrigatoriedade deriva da própria Constituição e com os quais esse tipo de contratação precisa harmonizar” (ADPF 324, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 30-08-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194  DIVULG 05-09-2019  PUBLIC 06-09-2019, passim, grifos acrescidos).

[20] A exemplo da perspicaz postagem do Desembargador do TJSP Marcelo Semer, na rede social “X”, ao repostar notícia sobre o ofício enviado pelos STF ao CNJ contra juízes do trabalho que “ignoram jurisprudência”: “Curiosamente, essa quase ameaça de interditar a Justiça do Trabalho, por não seguir precedentes do STF (nem sempre similares) jamais se deu quando juízes e tribunais ignoravam precedentes criminais em favor do réu. Há coisas que só a livre iniciativa faz” (SEMER, Marcelo. “STF oficia CNJ sobre decisões da Justiça do Trabalho que desrespeitam precedentes”. X, 6 de dezembro de 2023, 10:25 a.m. Disponível em: “https://twitter.com/marcelo_semer/status/1732390865501385118. Acesso em: 5 fev. 24.

[21] Sem incorrermos, com essa frase, em qualquer vira-latismo ou reproduzirmos mantras coloniais sobre a matéria.

[22] Como sabemos, artigos do Poder Constituinte originário não podem ser declarados inconstitucionais, mas, como repetidamente testemunhamos, contraditoriamente podem deixar de ser aplicados.

[23] Aqui relembramos o “pamprincipiologismo” combatido por Lênio Streck como apropriado para ilustrar a absurdez da situação. Cf.: STRECK, Lenio Luiz. Do pamprincipiologismo à concepção hipossuficiente de princípio. Revista de Informação Legislativa, n. 194, 2012.

[24] Proibição do “non liquet” é conhecida como a vedação do magistrado de se escusar a julgar determinado caso concreto por ausência de regra explícita sobre o tema, podendo se valer, para solucionar o caso, deve se valer de princípios, costumes, princípios gerais do direito, etc. A anedota da permissão do “non liquet” usada neste artigo, reflete, assim, o seu oposto.

[25] Inspirado no artigo de: FERRAZ, Renato. “Robô magistrado”: é o fim dos tempos jurídicos. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-nov-20/robo-magistrado-e-o-fim-dos-tempos-juridicos/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[26] KAFKA, ref. 1, p. 93.

[27] Aqui entendidos tanto no aspecto dos direitos previstos na Constituição brasileira como também nos documentos internacionais.

OS MOTORISTAS DA UBER SÃO EMPREGADOS NA ALEMANHA. E OS DA CABIFY, NA ESPANHA.

Negar direitos fundamentais no trabalho é uma escolha política contrária aos compromissos assumidos na Constituição e tratados internacionais de direitos humanos

Por Rodrigo Carelli, professor da UFRJ, coordenador do Trab21

Pegar um Uber na Alemanha é a mesma experiência de qualquer outro lugar do mundo. O aplicativo é o mesmo e a forma de escolha de motoristas também: o algoritmo aponta um preço, seleciona um carro e o motorista aceita ou não a corrida com o valor proposto e a avaliação é feita pelo cliente ao final. No entanto, o cliente da Uber pode até não saber, mas a diferença está na forma de contratação dos trabalhadores: eles são empregados, com todos os direitos fartamente distribuídos na social-democracia alemã reconhecidos. A Uber contrata uma empresa terceirizada e todos os trabalhadores são empregados por essa companhia. Essa situação se deve à firmeza da Justiça germânica, que há anos rejeitou a argumentação que a empresa multinacional distribui ao redor do mundo e que alguns países aceitam.

Essa narrativa de ser uma nova forma de trabalho incompatível com a relação de emprego – e muitas vezes vinda com a afirmação que a incompatibilidade é tamanha que impede até de ter direitos no futuro – é a que vem sendo aceita de forma acrítica pelo Supremo Tribunal Federal, que esta semana analisa novamente a questão, desta vez pelo seu plenário.

Interessante aqui notar que o processo afetado ao plenário tem como parte a Cabify, empresa do ramo de transporte de pessoas, que deixou o país há alguns anos. Pois bem: na Espanha, sua terra de origem, os seus motoristas são empregados, também contratados por terceirizada. Em terras ibéricas, a Cabify e a Uber, não mais defendem que os motoristas sejam autônomos ou empreendedores, mas sim que é possível legalmente terceirizar, modelo que vem sendo duramente questionado pela Inspeção do Trabalho espanhola.

Ou seja, a própria empresa que deu origem ao processo judicial derruba o argumento utilizado pelas empresas e aceito sem maiores preocupações por ministros da Suprema Corte brasileira. Em outros países europeus, as supremas cortes não dão razão jurídica ao argumento de marketing das empresas que se denominam plataformas judiciais, como é o caso da Suíça, França, Holanda e Reino Unido. A esses países vem se juntar agora Portugal, que teve a primeira decisão sobre a relação de emprego na semana passada, sendo reconhecida a condição de empregado de um entregador da Uber.

A Uber, questionada sobre a possibilidade de ter que reconhecer direitos trabalhistas em toda por conta da diretiva que vem sendo discutida em âmbito europeu, afirmou que o reconhecimento do status de empregado não impediria a lucratividade da empresa, que é alcançado tanto na Alemanha quanto na Espanha. Por outro lado, indicou que os preços aumentariam e que ocuparia menos empregados, “concentrando as horas em menos trabalhadores”.

Tudo isso demonstra que a escolha da situação de trabalhadores sem direitos é meramente política. Deixar trabalhadores sem direitos é uma escolha política do Supremo Tribunal Federal de negação de direitos para barateamento de mão de obra, o que é contrário aos compromissos assumidos por nosso país na Constituição e nos tratados internacionais. Do jeito que as coisas andam, o próximo passo pode ser legalizar o trabalho escravo com o objetivo de baratear os custos das empresas, sob o argumento que isso pode garantir emprego para mais pessoas.

O APOCALIPSE DOS TRABALHADORES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A morte dos direitos sociais tem data marcada e faz parte de política do STF que não existe em nenhum outro lugar do mundo

Por Rodrigo Carelli, Coordenador do Trab21, Professor da UFRJ e Procurador do Trabalho

O fim está perto. Ao contrário do que fazem algumas seitas ou religiões, que têm o Armagedão como dogma e base da crença, o alerta para o fim próximo dos direitos sociais, tal como acontece com as consequências das mudanças climáticas do Antropoceno, tem boa base científica. O ocaso em até data marcada, quando provavelmente a Suprema Corte dará mais um passo, talvez fatal e definitivo, ao assassinato à proteção social prevista na Constituição da República e prometida pelo Brasil nos pactos internacionais de direitos humanos firmados.

Está marcado para o dia 8 de fevereiro de 2024 julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de dizer, provavelmente com força vinculante aos demais juízes do país, que trabalhadores de plataformas digitais não são empregados e, por isso, não têm direitos. Entretanto, devo alertar sobre a possibilidade de gravidade ainda maior: segundo notícias, há uma probabilidade grande de os ministros da Suprema Corte irem mais além e impedirem o reconhecimento da condição de empregado quando haja qualquer contrato civil formalizado. Seria a inversão completa do que temos hoje: surgiria por criação e obra da Suprema Corte o princípio da primazia do formal sobre a realidade.

A política que o STF quer implementar no Brasil não tem paralelo no mundo. Não há um só país civilizado em que o Poder Judiciário é impedido de verificar a condição de empregado na realidade. Ao contrário, a reclassificação de contratos civis em contratos de emprego é algo extremamente comum nos Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, Holanda, Alemanha, Suíça etc. Isso é previsto expressamente pela Recomendação nº 198 da Organização Internacional do Trabalho, que determina que a verificação da realidade se dá nos fatos (item 9) e não no arranjo contratual e que os Estados devem envidar esforços para impedir que os contratos civis sejam utilizados para mascarar verdadeiras relações de emprego (item 4). O princípio da primazia da realidade também é previsto pela jurisprudência vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

É importante destacar que houve tentativa recente de se colocar um dispositivo na lei francesa que impedisse os juízes de verificarem a existência do vínculo empregatício no caso de plataformas digitais. O Conselho Constitucional francês entendeu a norma inconstitucional, afirmando que nem mesmo o  legislador pode impedir um juiz da República de conhecer os fatos apresentados por um cidadão e decidir conforme o direito, inclusive reconhecendo vínculo empregatício a partir da realidade e não da forma.

Ao fim e ao cabo, a nossa Suprema Corte está indo em sentido completamente contrário ao de seu homólogo europeu: aqui temos a negação explícita de acesso à Justiça do Trabalho e aos direitos fundamentais previstos na Constituição e direitos humanos em tratados internacionais a partir da forma.

O que acontece é claro caso de negacionismo científico. Da mesma forma que os negacionistas do clima, os negacionistas do direito do trabalho não sabem ou não querem saber das consequências de seus atos, e não raras vezes têm raiva de quem sabe. Os cientistas jurídicos, sejam eles constitucionalistas ou laboralistas, alertam, apreensivos, sobre a cegueira que vige na Suprema Corte, mostram o que acontece ao redor do mundo, mas não querem olhar para cima.

Os constitucionalistas se perguntam: onde está a questão constitucional a ser dirimida nesses casos que vêm sendo julgados? Afirmam os ministros do STF: a Suprema Corte já decidiu que são constitucionais outras formas de arranjo contratual que não a relação de emprego. Ora, mas quem é contra tal afirmação? Não houve um só julgado da Justiça do Trabalho que eu tenha conhecimento que tenha passado perto de contrariar tal premissa. Muito ao contrário, em toda declaração de fraude há o pressuposto da existência de um contrato civil em tese válido que não se observa naquele caso concreto. Quando uma decisão judicial diz que o trabalhador foi contratado fraudulentamente por meio de uma pessoa jurídica ela não está negando a possibilidade de contratação de pessoa jurídica, mas sim dizendo que ali, naquele caso, o arranjo contratual foi somente utilizado para mascarar a verdadeira relação jurídica. Da mesma forma, reconhecer a condição de empregado de determinada plataforma digital, em um caso concreto, a partir da realidade, verificando os requisitos da relação de emprego, não é negar a possibilidade que em outras plataformas digitais, ou até na mesma, haja a contratação de autônomos.

Qual artigo da Constituição da República permite afirmar, de antemão, a inexistência da relação de emprego em um caso concreto? Ou pior ainda: qual dispositivo entrega, de maneira geral e abstrata, ao Supremo Tribunal a competência de afirmar que não existe uma relação de emprego de trabalhadores com certo tipo de empresas? Não há, com exceção da carta super trunfo, que vence sempre os direitos sociais: o princípio da liberdade econômica ou livre iniciativa. Mas aí é uma dimensão de terraplanismo jurídico que cabe discutir em outro texto.

Já os laboralistas, como os ecologistas em relação ao clima, alertam para o apocalipse. Se o pior cenário realmente vier, não sobrará mais nada no direito do trabalho. Tanto a Constituição da República, que trata os direitos trabalhistas expressamente como direitos fundamentais, quanto os tratados de direitos humanos assinados pelo Brasil, que trazem uma série grande de direitos trabalhistas, serão completamente esvaziados. Letra mortíssima e enterrada. Quando um mero contrato formal, seja ele um pedaço de papel assinado, ou um clique no computador, puder retirar a condição de empregado, a relação de emprego praticamente não existirá mais. O direito do trabalho, como regulador de concorrência leal, deixando de ser patamar de competição entre empresas, terá se tornado um fardo que impedirá até os empresários humanistas e conscientes de cumprir os direitos sociais.

Assim, haverá uma migração em massa de trabalhadores para contratos civis sem direitos. Consequência lógica será a queda brusca na arrecadação e o colapso próximo do sistema de seguridade social. A renda do trabalhador cairá rapidamente com a ausência de patamares salariais legais e negociados pelos sindicatos e a possibilidade de exploração de horas extraordinárias de forma livre. O trabalho escravo e os acidentes de trabalho grassarão às escondidas, atrás do apagão nas estatísticas. Em breve toda a sociedade sentirá as consequências da precarização total das relações de trabalho. E o Estado Brasileiro não terá atendido aos compromissos assumidos perante a comunidade internacional nos tratados.

O Juízo Final será trazido pelo Olimpo judiciário brasileiro. A maior probabilidade é de que os trabalhadores brasileiros sejam condenados a não terem acesso à Justiça do Trabalho e a não terem direitos. Os direitos sociais terão sido exterminados pela Suprema Corte, suposta guardiã dos direitos fundamentais. A única redenção possível será levar o caso para as cortes internacionais de direitos humanos e apontar, com dados científicos, esse massacre que está em curso no Brasil.

O STF E O FIM DO TRABALHO ESCRAVO (E DOS ACIDENTES DE TRABALHO) NO BRASIL

O julgamento do Supremo Tribunal Federal dos trabalhadores para plataformas digitais trará consequências econômicas profundas que não estão sendo debatidas

Por Rodrigo Carelli, coordenador do Grupo de Pesquisa Trab21, vinculado à pós-graduação em direito da UFRJ

O Supremo Tribunal Federal está prestes a tomar uma decisão que deve fazer desabar as estatísticas do trabalho em condições análogas a de escravo no Brasil. Viva!

Está marcado para o início de fevereiro, pelo seu plenário, o julgamento da existência (ou não) de vínculo empregatício em caso de trabalhador por plataforma digital (seja lá o que isso queira ou possa dizer). Aparentemente a intenção é a de emitir uma decisão vinculante para que a Justiça do Trabalho não possa mais declarar o vínculo nesses casos. Provavelmente a Suprema Corte não irá parar por aí, determinando também a incompetência da Justiça do Trabalho para conhecimento acerca da existência da condição de empregado quando um contrato civil formal estiver em vigor. Não duvido também de que na decisão haja alguma ameaça a algum juiz que ouse tentar verificar a existência do vínculo para além do contrato formal, como ocorre em qualquer outro país do mundo.

Mas o que isso teria a ver com o fim do trabalho escravo e a redução dos números estatísticos do fenômeno? Ora, podendo contratar um trabalhador como prestador de serviços sem o risco da Justiça do Trabalho reconhecê-lo (e responsabilizá-lo), os empregadores irão em massa adotar esse tipo de contratação. Só dar um nome civil ao contrato (seja ele qual for), falar para o trabalhador assinar um papel, e pronto!, imunidade garantida pela mais alta corte do país. Com isso, os escravocratas terão a oportunidade de contratar seus trabalhadores por meio de contratos civis, conseguindo fugir da constatação da condição de escravizado.

Essa possiblidade não é meramente hipotética. Outro dia eu estava em sessão no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, e me deparei com situação idêntica ao que deve se alastrar no Brasil. Era um caso de trabalhadores encontrados em situação análoga a de escravos em um grande festival de música. Eles dormiam no local de trabalho, em papelões lançados ao chão, e recebiam comida imprópria para o consumo humano. Em sua sustentação oral, o advogado da empresa renovou seus argumentos de defesa: não eram empregados, mas sim prestadores de serviço civis, com contrato assinado e tudo. Eram empreendedores, que, no uso de sua autonomia da vontade, colocavam no mercado sua força de trabalho para comercializar bebidas geladinhas junto aos contentes frequentadores do festival. Clamava pela incompetência da justiça especializada, trazendo em seu auxílio a jurisprudência do STF. Neste caso específico, ainda podendo fazê-lo, a turma do tribunal afastou a preliminar e entrou no mérito da causa, verificando que de fato eram todos empregados e estavam realmente em condição desumana.

Se existisse uma decisão vinculante, os magistrados não teriam outra escolha senão dar razão à empresa, pedir desculpas, pois não se tratava de trabalho escravo contemporâneo, mas sim de empreendedores que gozavam sua liberdade econômica, patrões que ordenavam a si mesmos carregar pesadas mochilas com as bebidas e tinham livremente escolhido dormir no chão e comer alimentação vencida.

Qual empregador, podendo firmar um contrato com menos ônus, tributários ou trabalhistas, vai preferir contratar como empregado seus trabalhadores? Qual empregador, mesmo socialmente responsável e consciente, vai arriscar contratar empregados se seus concorrentes vão ter vantagem concorrencial com menos custos decorrente de contratações sem direitos e ainda eliminar riscos frente ao Poder Judiciário?

É claro que vai haver uma debandada geral do que ideologicamente chamam de regime da CLT (em verdade é o regime constitucional de direitos fundamentais no trabalho previsto no art. 7º e seguintes da Constituição da República).  É a Economia, estúpido!, como diria certo presidente estadunidense. Com isso, não somente veremos a queda no número de trabalhadores em situação análoga à de escravo, mas também teremos um desabamento na quantidade de acidentes de trabalho, olha que maravilha! Alguém sabe o número de trabalhadores contratados por plataformas digitais que se acidentaram ou morreram realizando seu novíssimo empreendimento de entregar comida ou transportar pessoas? Ninguém sabe. Esses dados não existem, as empresas tratam esses trabalhadores (olha eu aqui de novo chamando empresários livres de operários) como clientes, parceiros civis, e acreditam não ter obrigações de registro dessas ocorrências. Esses acidentes, com morte, afastamentos ou sequelas, não são contabilizados como de trabalho, permanecendo incógnitos em nossos hospitais públicos e cemitérios, como também nos seguros e estatísticas de acidente de trânsito.

Haverá a percepção estatística de que temos um país com menos trabalhadores escravizados e com raros acidentes de trabalho. Porém, lá na realidade (que parece importar pouco hoje em dia), estando os empresários (os verdadeiros) livres (olha a verdadeira liberdade aí, gente!) de cumprir com as normas de proteção, inclusive ambientais de segurança e saúde no trabalho, o trabalho escravo só vai aumentar e os acidentes vão acontecer de maneira muito mais frequente, como ocorre silenciosamente com motoristas e entregadores.

Outras estatísticas serão afetadas também: a de empregos formais, resultando inevitavelmente em uma queda na arrecadação previdenciária. A renda do trabalhador também sofrerá declínio gigantesco, pois não será necessário observar-se nem salário-mínimo, quanto mais pisos salariais negociados por sindicato. E, convenhamos, sindicatos para quê no novo desenho do mercado de trabalho? É a Economia, estúpido!, poderia ser novamente trazido aqui. E a renda do trabalhador e a queda de arrecadação afetam toda a Economia.

As consequências econômicas da decisão que será tomada pelo Supremo Tribunal Federal são colossais e estão sendo muito pouco debatidas. Entretanto, como responsabilizar uma Suprema Corte, que não é submetida ao escrutínio popular do voto, sobre um colapso econômico? De qualquer forma, ela haverá de ser chamada pela população, pelos sindicatos, pela mídia e pelos demais poderes a dar conta de sua decisão ideológica, sem respaldo no texto constitucional, que ao pretender mudar de forma radical todo o arranjo principal da sociedade nos levará a uma grave e real crise em pouco tempo. (Mas alguns ainda dirão que pelo menos haverá liberdade…)

Publicado originalmente em 29/01/2024 em:

http://jornalggn.com.br/justica/o-stf-e-o-fim-do-trabalho-escravo-e-dos-acidentes-de-trabalho/

AS LIÇÕES EM MATÉRIA TRABALHISTA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O governo estadunidense aponta em nova norma que as fraudes à relação de emprego são um fenômeno grave, que traz prejuízo à sociedade e para a economia como um todo

Rodrigo de Lacerda Carelli, Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

O Supremo Tribunal Federal-STF está em guerra contra a Justiça do Trabalho. Aponta o dedo para a Especializada e diz que não está a respeitar suas supremas decisões. A Justiça do Trabalho, de seu lado, nega a inobservância de qualquer decisão vinculante, apenas cumpre com o seu ofício quase secular de aplicar o direito do trabalho, em especial o princípio da primazia da realidade sobre a forma. A Suprema Corte brasileira, em tréplica, afirma que contratos hão de ser respeitados, em homenagem ao princípio da liberdade.

Como demonstrei em outro lugar, e tantos também acusaram, a Suprema Corte brasileira está tendo uma dificuldade muito grande de entender o direito do trabalho e a Constituição de 1988. Mais do que isso, parece não compreender o papel da relação de emprego e das outras formas relações de trabalho em uma sociedade capitalista, aplicando uma ideologia muito afastada de qualquer outro país no mundo, entendendo realizar uma análise econômica que fica muito longe de ser algo digno do nome que leva.

Os ministros do STF poderiam observar o que acontece na “Terra dos Livres”, como se autoproclamam os Estados Unidos da América, para verificarem como a noção de “liberdade” que estão aplicando nas relações de trabalho nada tem a ver com o que se propõe naquele país. E, de quebra, como se faz uma verdadeira análise econômica do direito.

Acaba de ser editada, em 9 de janeiro de 2024, uma “Final Rule” pelo Departamento do Trabalho estadunidense (o Ministério do Trabalho deles), regulamentando a Fair Labor Standards Act, lei federal que garante diversos direitos trabalhistas, um tipo de CLT deles. O objetivo do novo regulamento é substituir outro editado pelo órgão em 2021 sob a batuta de Donald Trump que, sob o pretexto de deixar mais clara a divisão entre empregado (employee) e trabalhador autônomo (independent contractor), tornava a caracterização da relação de emprego mais difícil e se afastava completamente da jurisprudência consolidada. O gol, assim, é de retornar aos critérios consagrados por anos de discussões judiciais e “ajudar empregadores e trabalhadores a melhor entenderem quando um trabalhador está na categoria de empregado e quando ele pode ser considerado um trabalhador autônomo para fins trabalhistas”.

O governo estadunidense entende que a misclassification, que chamamos aqui de fraude à relação de emprego, é “um problema sério que impacta os direitos dos trabalhadores ao salário mínimo e ao pagamento de horas extraordinárias, fomenta o furto de salários (wage theft), permite a alguns empregadores derrotar deslealmente seus concorrentes cumpridores das leis e prejudica a economia como um todo.” Fraudar a relação de emprego “é uma questão muito grave que priva os trabalhadores dos direitos e proteções básicas”.

A nova norma regulamentadora é uma aula, não só de direito do trabalho, mas de semântica e de capitalismo. Ela deixa claro que as figuras de empregado e trabalhador autônomo coexistem na sociedade capitalista, mas cada um exercendo seu papel, não sendo intercambiáveis, como meras opções do empregador de forma contratual, não sendo uma opção do empresário, como parece ser a crença de certos ministros do STF.

Ao contrário do que acontece no STF, o governo estadunidense ouviu os especialistas e entidades interessadas, discutindo em documento de mais de 300 páginas todos os principais argumentos levantados na discussão pública. Também diversamente do que ocorre no STF, foi realizada uma análise econômica do fenômeno, e não um mero apanhado de palavras de ordem ou conceitos deslocados de sua função; nem se diga a utilização da palavra “economia” como um “super trunfo”, como tem ocorrido com frequência na nossa Suprema Corte.

Foi realizada uma análise estatística pormenorizada para entender quem é trabalhador autônomo nos Estados Unidos, em qual setor da economia ele trabalha, idade, raça e educação. Verificou-se ali que há um total de 10,6 milhões de trabalhadores autônomos nos Estados Unidos, o que representa 14,99% da força de trabalho. As pesquisas trazidas mostram que de 10 a 30% dos empregadores nos Estados Unidos fraudam a relação de emprego, o que pode chegar a 9 por cento de todos os trabalhadores autônomos. Afirma também o documento que a fraude atinge desproporcionalmente negros, indígenas e pessoas de cor, ou seja, imigrantes em geral.

Além disso, lembra a regulamentação que um dos objetivos do direito do trabalho é a regulação da concorrência desleal (unfair method(s) of competition in commerce). Com a fraude, o mau empregador corta custos do trabalho e prejudica seus concorrentes, por poder oferecer orçamentos mais baratos, deixando os empresários cumpridores da lei em desvantagem.

Foi realizada uma ampla análise dos custos da fraude trabalhista (misclassification of independent contractors). Foi verificado que os trabalhadores autônomos geralmente não recebem benefícios de saúde e de aposentadoria de seus empregadores. Os empregados têm maior chance de terem seguro saúde em relação aos autônomos e, enquanto 42% dos empregados recolhem para aposentadoria, somente 8 por cento dos trabalhadores por conta própria realizam recolhimentos. O governo deixa claro que “baixas poupanças de aposentadoria podem resultar em um fardo tributário de longo termo a todos os Estadunidenses devido ao incremento da necessidade de programas sociais assistenciais”.   Em uma comparação, verificou-se que enquanto um empregado poderia ter benefícios anuais no valor de 15.547 dólares, o autônomo teria 6.084 dólares.

O impacto no fisco também foi estudado, verificando-se uma perda de ingressos tributários e aumento de custo para os estados e o governo federal.

Além da perda dos direitos trabalhistas, como não pagamento de horas extraordinárias com o acréscimo de 50 por cento após 40 horas semanais, como é previsto na lei estadunidense, foi também constatado que 13% dos trabalhadores autônomos não recebem efetivamente o salário-mínimo, em contraste com apenas 2 por cento dos empregados. 29 por cento dos trabalhadores autônomos fazem horas extraordinárias em comparação com 17 por cento dos empregados. Além disso, a sobrejornada é bem maior para os trabalhadores autônomos do que para empregados, 15,4 horas em média contra 11,8.

Em relação aos salários, não se verificou discrepância entre os trabalhadores autônomos e empregados na mesma função. No entanto, foi encontrado em uma pesquisa específica em Washington DC que a troca de um emprego por um contrato de trabalho autônomo poderia ser associada à perda de 20 a 50 por cento na renda e que a ida de uma condição de autônomo para empregado gerava de 65 a 85 por cento de aumento nos salários. Também foi constatado na pesquisa que, em funções de baixa renda, o salário dobrava no percurso de uma condição de autônomo para a de empregado.

Mas vamos para o que diz a norma, que pretende modificar a situação fática da misclassification.

Ela dispõe que a existência de um vínculo de emprego é uma questão de “realidade econômica” (economic reality), a partir da verificação uma série de fatores ou indícios que vão (ou não) indicar a existência da dependência econômica (economic dependence), critério maior para a verificação da condição de empregado. Assim, em primeiro lugar, a normativa estadunidense se aproxima daquilo que é exercido em todo o mundo desenvolvido e preconizado pela Organização Internacional do Trabalho na Recomendação nº 198: a verificação da relação de emprego é realizada com base nos fatos, e não no arranjo contratual.

O que se deve buscar, com base na realidade econômica da relação, é a constatação da existência da dependência econômica, ou seja, se o trabalhador está “economicamente dependente a um empregador para trabalhar” (“economically dependent on an employer for work”). Nesse caso, ele será um empregado. Se, por outro lado, o trabalhador está realizando um negócio por e para si próprio (“in business for themself”), ele será um trabalhador autônomo (independent contractor), ou, como dizemos tecnicamente no Brasil, ele é trabalhador por conta própria, e não por conta alheia (§ 795.105, “b”).

Parece muito básico, e é mesmo, pois assim funciona o capitalismo. Mas é muito importante dizermos o básico, pois as pessoas não versadas em direito do trabalho não têm a base suficiente para poder fazer análises mais profundas.

Voltando à norma, ela diz que a dependência econômica “não foca na quantidade de remuneração que o trabalhador ganha, ou se o trabalhador tem outras fontes de renda”, mas sim se, na realidade, para trabalhar o trabalhador necessita se engajar em negócio alheio (§ 795.105, “b”).

Os fatores que indicam a dependência econômica são relacionados ao que chama de economic reality test, que indica múltiplos fatores como ferramentas ou guias para uma análise global da situação. Esses fatores são analisados em seu conjunto, não sendo a ausência de nenhum deles excludente da relação de emprego (§ 795.110, “a”, 1). A lista também não é exaustiva, segundo a norma (§ 795.110, “a”, 2).

O primeiro fator elencado é a oportunidade de lucro ou perda dependendo da habilidade gerencial (§ 795.110, “b”, 1).  Propõe-se verificar se o trabalhador determina ou pode negociar significativamente o preço por seu trabalho; se ele pode aceitar ou declinar trabalho ou escolher a ordem e o tempo de realizar o trabalho; se ele faz marketing ou propaganda ou esforço para expandir seu negócio, e se o trabalhador toma decisões de contratar outros, compra material e equipamento ou aluga espaço para realização do negócio. Se o trabalhador, por sua vez, não tem oportunidade de lucro ou perda, o fator sugere que ele é um empregado. A norma deixa claro que a decisão de trabalhar mais horas ou pegar mais tarefas, quando o pagamento é fixo por hora ou por tarefa, não reflete o exercício de competência gerencial. O que se busca é saber se ele tem realmente um negócio próprio.

O segundo fator são os investimentos pelo trabalhador e pelo potencial empregador (§ 795.110, “b”, 2). O fator verifica quais investimentos realizados pelo empregador são capital e considerados atos de empreendedorismo por natureza. A norma explicita que custos do trabalhador com ferramentas ou equipamento para a realização de uma tarefa custos específicos do trabalho e aqueles que o potencial empregador impõe unilateralmente ao trabalhador não são provas de investimento de capital e indicam a condição de empregado. Os investimentos que são considerados como típicos de empreendedorismo são aqueles que dão base a um negócio independente, como aqueles realizados para aumentar a habilidade de trabalhador realizar diferentes tipos ou mais trabalho, reduzir custos ou aumentar sua margem de mercado. Além disso, o investimento deve ser comparado com aquele realizado pelo empregador, de forma proporcional.

O terceiro fator é o grau de permanência da relação de emprego (§ 795.110, “b”, 3). Se a relação for indefinida na duração, contínua ou exclusiva, há indicação de que se trata de uma relação de emprego. O fator pesa em favor da condição de autônomo se for de duração definida, não-exclusiva, baseada em projeto ou esporádica em um negócio próprio do trabalhador que coloca no mercado seus serviços ou trabalha para múltiplos tomadores. A característica sazonal ou temporária do trabalho não indica a condição de autônomo. Se a falta de permanência é devido às características operacionais de um negócio ou setor particular, o fator não é necessariamente indicador do estatuto de autônomo, a menos que o trabalhador esteja realizando um negócio independente.

O quarto fator é a natureza e o grau de controle (§ 795.110, “b”, 4). Neste indício, a norma considera o potencial controle do empregador, inclusive aquele não efetivamente realizado e que permanece em potência, sobre a performance do trabalho e os aspectos econômicos da relação de emprego. Os fatos relevantes elencados pela norma são: se o empregador determina (ou pode determinar) o horário do trabalhador, supervisiona (ou pode supervisionar) a performance do trabalho ou explicitamente limita a possibilidade de trabalhar para outros. É acrescentado que se o empregador usa meios tecnológicos para supervisionar a performance do trabalho (como equipamentos eletrônicos), ou se reserva o direito de supervisionar ou disciplinar trabalhadores ou realiza demandas ou restrições a trabalhadores que não permitam que trabalhem quando quiserem, a indicação é que sejam empregados. Também devem ser considerados aspectos econômicos, como controle de preços ou tarifas de serviços ou o marketing dos serviços ou produtos do trabalhador, para a verificação da condição de empregado.

O quinto fator a ser verificado é até que ponto o trabalho realizado é parte integrante dos negócios do possível empregador (§ 795.110, “b”, 5). Deve ser verificado se o trabalho do autônomo está integralmente dentro do negócio alheio, ou seja, da atividade econômica do empregador. Se o trabalho é crítico, necessário ou central do negócio do empregador, ele será um empregado.

O sexto fator são as competências e a iniciativa (§ 795.110, “b”, 6). Se o trabalhador aplica habilidades especializadas para realizar o trabalho e se essas competências contribuem para a realização de uma iniciativa própria de negócio, estaremos diante de um trabalhador autônomo. Se o trabalhador não usa habilidades ou conhecimentos especiais e se depende de treinamento do empregador, ele é empregado. O contrário não indica necessariamente um trabalho autônomo, porque tanto empregado quanto trabalhador autônomo podem ser trabalhadores especializados. O que indicaria a existência do fator é a conjugação das competências especializadas com a realização de uma iniciativa própria de negócio, aí sim caracterizando um trabalho autônomo.

Com toda essa clareza, não é muito difícil ver quando um trabalhador é autônomo ou se é empregado. Um médico pode ser ou não empregado. Ele é autônomo quando realiza sua função como negócio próprio, estipulando seu preço, recebendo os pagamentos, formando uma carteira de clientes, organizando sua forma de atender e a quantidade de clientes. Nunca será quando inserido em um hospital, cumprindo plantões ou atendendo pacientes do hospital. Aliás, um mesmo médico pode ser empregado e autônomo ao mesmo tempo, em contratos diversos. A profissão não indica a natureza da relação jurídica. Um engenheiro pode contratar como autônomo para realizar projetos para o mercado, mas não será autônomo se trabalhar para uma construtora de forma permanente. Um trabalhador em plataforma digital será autônomo se ela for utilizada para ofertar seu serviço no mercado. Será empregado se a plataforma digital ofertar e garantir, em verdade, um serviço próprio, como de transporte de pessoas e mercadorias, estipulando o preço, resguardando para si os clientes, controlando a qualidade e disciplinando os trabalhadores. Não é difícil, mas essa verificação nunca poderá ser feita em abstrato, mas sempre observando a realidade.

Assim, o governo estadunidense, preocupado com o grave problema, vai completamente na contramão da jurisprudência que tem se formado no Supremo Tribunal Federal. Aqui, pretende-se impor a forma sobre a realidade, negando a existência do grave problema e desprezando todo o direito social resguardado na Constituição e em tratados internacionais assinados pelo Brasil. O STF quer fechar os olhos para a realidade, no estilo Não Olhe para Cima, tentando afirmar inexistência de vínculo empregatício em abstrato, o que é algo afrontoso ao direito do trabalho em todo o mundo. O STF é, nesse sentido, negacionista, e a pretensão que se avizinha de se afastar de todos os países civilizados do mundo é perigosa para o projeto de um país civilizado desenhado na Constituição da República. Tomara que abra os olhos para os exemplos vindos dos países centrais do capitalismo e não nos reserve um futuro de periferia precária afastada completamente da garantia dos direitos humanos mais basilares.

———

A norma, em sua integralidade, com suas razões, está aqui.

Pesquisa Datafolha encomendada pela Uber e Ifood tem vícios na sua metodologia que comprometem o resultado

Em 22 de maio de 2023, foi divulgado na imprensa o estudo feito pelo instituto Datafolha, encomendado pelas empresas Uber e iFood, cujo objetivo principal era averiguar o regime de trabalho preferido pelos motoristas e entregadores para regular a sua relação laboral. As manchetes dos veículos de comunicação deram destaque ao resultado da pesquisa que revelou que a maioria dos trabalhadores prefere a autonomia em detrimento do vínculo de emprego regido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

Diante da relevância do estudo, especialmente em um momento em que o governo instituiu o Grupo de Trabalho[1] que visa à elaboração de proposta de regulamentação das atividades objeto de análise, pesquisadores do grupo Direito do Trabalho no Século XXI (TRAB21) da Universidade Federal do Rio de Janeiro examinaram o relatório divulgado e identificaram inconsistências metodológicas na pesquisa quantitativa que comprometem o resultado anunciado na imprensa.

Os questionamentos são múltiplos e relacionam-se à seleção de métodos da pesquisa:

1) quanto às perguntas: foram formuladas com várias condicionantes conduzindo à resposta estimulada, conforme descrito nas páginas em que foi apresentado o dado estatístico, restringindo e/ou direcionando a opção de resposta dos entrevistados;

2) quanto aos entrevistados: foram previamente selecionados pelas empresas contratantes, cujos interesses sociais e econômicos podem não estar em conformidade com os dos trabalhadores, sendo relevante a divulgação do critério de seleção dos profissionais, dado omitido no estudo;

3) quanto à amostra: comprometida pela seleção descrita acima, que pode não representar o universo dos trabalhadores, seja pela ausência de publicidade de sua seleção, seja pelo peso que a pesquisa deu às respostas dos motoristas em detrimento dos entregadores, sem justificativa racional expressa que esclareça esta desproporção;

4) quanto à forma pela qual os profissionais foram abordados: não assegura que as respostas sejam desidentificadas e espontâneas, conforme afirmado pelo Datafolha;

5) e quanto ao conteúdo das perguntas: possuem vícios ao associar direitos e obrigações trabalhistas a um regime de trabalho de forma desconexa com o previsto na legislação, ou seja, partem de premissas juridicamente falsas, o que também compromete o resultado da pesquisa.

De acordo com o material apresentado, o estudo realizado pelo Datafolha apresenta entrevistas com motoristas da empresa Uber e entregadores da empresa iFood nos primeiros meses de 2023, respondidas virtualmente por meio de questionário estruturado de autopreenchimento, ou seja, o texto das perguntas e das respostas foram previamente definidos, cabendo ao trabalhador escolher qual das respostas era a mais adequada para a sua situação, sem existir a possibilidade de alterar ou adicionar comentários.

Para a apresentação das inconsistências deste estudo, cabe uma breve explicação sobre as possíveis formas de questionários. A diferença entre um questionário estruturado para um questionário não estruturado pode ser ilustrada por intermédio das pesquisas eleitorais feitas pelo próprio instituto Datafolha. Frequentemente a mesma pesquisa utiliza as duas formas de coleta: (i) a estruturada, limitando os nomes da/os candidata/os; (ii) a não estruturada (ou espontânea), que não apresenta opções e requer que a pessoa entrevistada apresente o nome da sua intenção de voto. Neste exemplo, a primeira pergunta necessariamente encontraria uma divisão entre os nomes pré-selecionados; a segunda podendo apresentar novos nomes ou até a ausência de algum dos nomes presentes na anterior. Nenhum dos métodos é mais correto ou preciso que o outro, são metodologias distintas para averiguar percepções sobre aquele pleito.

A escolha pelo questionário estruturado pode ser observada em diferentes pesquisas realizadas pelo Datafolha, como se verifica na enquete sobre o tema de imigração feita para o “Conecta Direitos Humanos”, com o texto “O Brasil deveria…” com as seguintes possibilidades de resposta:

(Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/05/6-em-cada-10-brasileiros-querem-mais-politicas-para-migrantes-diz-datafolha.shtml)

Verificamos que as respostas são objetivas, diretas e sem condicionantes. A mesma forma de construção de frases não se encontra presente no questionário estruturado elaborado para a pesquisa encomendada pela iFood e pela Uber. Como, por exemplo, para a pergunta “Para dirigir/entregar usando aplicativos, você prefere qual situação listada abaixo?” em que era permitida apenas duas possibilidades de respostas (além da “Não sabe responder”):

Fonte: iFood, 2023.

Podemos identificar algumas diferenças importantes na formulação das respostas estruturadas aqui presentes. A falta de objetividade das opções fica evidente, tanto pelo tamanho das afirmações, quanto em seu conteúdo. A opção “preferem manter o modelo atual [sem proteção trabalhista]” é seguida de diversos qualificadores positivos, enquanto a alternativa “ter vínculo de emprego” é acompanhada por afirmações inverídicas, que não encontram base na legislação trabalhista brasileira (que serão listadas e esclarecidas ao longo do nosso texto).

Um dos riscos de um questionário estruturado é restringir o leque de respostas, correndo o risco de a pesquisa não contemplar alguma percepção ou opinião distinta. Porém, o que observamos aqui é uma tentativa explícita de direcionamento da pesquisa ao atribuir uma redação positiva ao resultado esperado e uma redação negativa à alternativa. Estamos diante de uma pergunta que não somente falha ao identificar percepções distintas, mas sim de uma pergunta enviesada. O correto seria seguir o padrão utilizado pelo primeiro estudo do Datafolha citado anteriormente, com as seguintes respostas: “Manter o modelo atual” e “Ter vínculo de emprego na forma da legislação”.

Esta não é a única parte do questionário que apresenta critérios de enviesamento. Citamos a seguinte pergunta no estudo (p. 22) “Pensando no seu trabalho como motorista/entregador de aplicativo, quais são suas maiores preocupações a médio e longo prazo?”.  Existiam onze alternativas e o questionário admitia até quatro respostas. A única menção à CLT é a resposta “Não ter férias, assim como nos contratos CLT” e teve uma média de 11%. O número pode espantar por parecer baixo, mas é explicado pelos temas dos mais selecionados: perda do veículo; sofrer acidente e ficar sem renda; ser vítima de violência; e ficar doente e ficar sem renda. A escolha por limitar em apenas quatro respostas parece revelar que esses trabalhadores correm tantos riscos à sua integridade física e condição econômica que não sobra alternativa para opinar sobre a adequação dessas práticas às leis trabalhistas.

Ademais, segundo informado pelo Datafolha, os motoristas e entregadores entrevistados foram os que estavam ativos nos aplicativos Uber e iFood na segunda quinzena de dezembro de 2022. O instituto de pesquisa informou que “as listagens de e-mails foram representativas do universo de motoristas cadastrados na Uber e entregadores no iFood” e que o estudo foi blind, ou seja, que os entrevistados desconheciam os contratantes da pesquisa. Entretanto, tendo em vista o método adotado, surgem indagações quanto à amostra selecionada representar de fato a categoria e de que os entrevistados desconheciam os atores envolvidos no estudo diante da forma pela qual foram abordados.

Quanto à seleção dos profissionais entrevistados, esta foi realizada pelas empresas Uber e iFood, portadoras dos cadastros e histórico de atividades dos motoristas e entregadores, fornecendo uma listagem de e-mails, não tendo sido esclarecido o critério de escolha da amostra a ser pesquisada: se casual e aleatória ou intencional. A divulgação e demonstração de tal critério é relevante, sob o ponto de vista metodológico, tanto para se averiguar se esta de fato é representativa do grupo pesquisado, quanto para se verificar a neutralidade e ausência de viés na coleta de dados.

De acordo com notícia publicada no site do iFood, há hoje, no Brasil, 1,6 milhões de pessoas laborando em serviço de transporte de passageiros e entrega de mercadorias por meio de aplicativo, “entre eles, 385,7 mil são entregadores, como os que trabalham com o iFood (os outros, 1,27 milhão de pessoas, são motoristas)” (PESQUISA…, 2023). A amostra do estudo contempla 1800 motoristas e 1000 entregadores, ou seja, não observa a proporção divulgada no site da própria empresa participante da pesquisa e, ainda, conforme informado na página 4 do relatório, foi dado um peso de 83% para as respostas dos motoristas. Portanto, por intermédio de dois métodos, as respostas dos motoristas impactaram desproporcionalmente no resultado da estatística, tendo sido utilizado como argumento para tal disparidade a informação genérica de que “os dados foram ponderados de acordo com a distribuição de variáveis região e tempo na plataforma”.

Já quanto ao método blind de entrevista, também cabe uma indagação: considerando que os profissionais foram contatados por e-mail com o link da pesquisa, como garantir que as respostas estão isentas de qualquer interferência externa, uma vez que somente as empresas contratantes tinham conhecimento da atividade desempenhada pelos trabalhadores e possuíam seus dados pessoais, incluído o endereço eletrônico?  Este questionamento é reforçado pelo fato de que a entrevista foi realizada no período de 17 de janeiro a 10 de março de 2023, ou seja, período diverso do selecionado para os profissionais em atividade na segunda quinzena de dezembro de 2022. Assim, por exemplo, um profissional inativo durante a pesquisa em 2023 poderia interrogar quem, além da própria empresa contratante, saberia sobre as suas atividades laborativas? O estudo carece de esclarecimentos sobre a abordagem e a divulgação aos profissionais da forma pela qual obteve acesso à fonte de dados pessoais protegidos inclusive pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a fim de assegurar que as respostas ficaram imunes ao receio de qualquer espécie de represália no seu ambiente de trabalho.

Além de equívocos metodológicos já apontados anteriormente, a pesquisa embutiu em algumas perguntas premissas jurídicas objetivamente falsas, que colaboraram na indução dos trabalhadores entrevistados a escolherem respostas os afastando deliberadamente de um regime com proteção trabalhista. Observe-se, neste particular, que não se trata de salientar questões jurídicas tidas como “polêmicas” e ainda sob discussão nos tribunais, mas sim que o Datafolha escolheu premissas cujas bases jurídicas afrontam a literalidade da lei neste aspecto.

Para tornar a leitura um pouco mais dinâmica e didática, apresentamos essas premissas abaixo em formato de “Verdadeiro ou Falso”, expondo as afirmações e enunciados das perguntas constantes especialmente nas páginas 16 e 17, e, em seguida, as razões pelas quais o Grupo de Pesquisa TRAB21 entende-as como objetivamente incorretas.

1) É verdadeira ou falsa a afirmação do Datafolha, embutida na pergunta que deu origem à página 17, no sentido de que, no modelo de contrato intermitente, o empregado não poderia “estabelecer seu próprio horário nem recusar ordens da empresa no momento que quiser”?

É falsa. Segundo o Datafolha, 70% dos trabalhadores entrevistados em média (71% para motoristas e 66% entregadores) responderam que o modelo de trabalho intermitente não se adequaria às suas necessidades, contra 14% em média dos que responderam que o modelo as atenderia (14% para motoristas e 16% para entregadores). Entretanto, a própria pergunta feita aos trabalhadores afronta a literalidade do conteúdo do §3º, art. 452-A, da CLT, com a redação da Lei n. 13.467/2017 (mais conhecida como “Reforma Trabalhista”), que expressamente dispõe que “A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.”

2) É verdadeira ou falsa a primeira afirmação, embutida na página 16 sobre o modelo de trabalho “B”, apontado como sendo o modelo de carteira assinada, de que esse modelo “Garante que a empresa determine os horários e locais em que vou trabalhar”?

É falsa. A premissa é objetivamente falsa pois a CLT desde sempre assegura remuneração não apenas por tempo, mas também por peça ou tarefa, conforme o art. 78. Cita-se a título de exemplo o trabalho a domicílio previsto no art 83, e o trabalho do motorista profissional (art. 235-G da Lei nº 13.103/2015), que permite a remuneração variável por peça ou tarefa, sem local ou horário fixo. Assim, a afirmação é falsa porque a liberdade de início, intervalo e final de jornada é situação igualmente prevista na CLT, conforme os artigos citados, e não exclusivamente do modelo “A” autônomo, como fez parecer a pesquisa.

3) É verdadeira ou falsa a segunda afirmação, embutida na página 16 sobre o modelo de trabalho “B”, apontado como sendo o modelo de carteira assinada, de que esse modelo “Garante que a empresa tenha controle do seu planejamento de viagens e entregas, exigindo que ele seja executado, sob risco de multa ou até demissão”?

É falsa. O Datafolha atribui exclusivamente ao modelo B um aspecto negativo, como se a vigilância e controle do planejamento de viagens já não fosse feito no modelo atual, representado na pesquisa como modelo “A”. Por exemplo, os termos de uso para entregadores da iFood (IFOOD, 2022) diz que a liberação na plataforma depende de uma análise da “região escolhida pelo entregador ou entregadora no cadastro” para “evitar saturação das regiões de entrega”. Além disso, a partir da constatação de que as plataformas já têm controle, por gerenciamento algorítmico, de todo o percurso dos trabalhadores, exigindo que seja executado, sob risco de punições diversas, como “bloqueio branco” (equivalente a uma espécie de “multa”) e desligamento sumário do aplicativo (o que equivale à demissão sem justa causa). Portanto, a diferenciação neste aspecto entre modelo “A” e modelo “B” não faz o menor sentido, ressaltando-se que, conforme resposta de n. 1, os trabalhadores em modelo celetista manteriam sua liberdade de horário e até de recusar jornada sem necessidade de abdicar direitos.

4) É verdadeira ou falsa a terceira afirmação embutida na página 16 sobre o modelo de trabalho “B”, apontado como sendo o modelo de carteira assinada, de que esse modelo “Dá à empresa poder para exigir que eu trabalhe apenas com um aplicativo”,  enquanto no modelo “A” se aponta que o trabalhador pode “trabalhar com múltiplos aplicativos do meu interesse, inclusive do mesmo segmento”?

É falsa. Não há nenhum dispositivo na CLT ou em qualquer outra legislação extraordinária que proíba trabalhadores de prestarem serviço, no modelo celetista, para mais de um empregador. Basta pensar nas profissões de professor, médico, auxiliar de enfermagem e dublador e nos modelos de contrato a tempo parcial, o próprio modelo do contrato intermitente, e a jornada 12×36, para ficar nestes exemplos. 

5) São verdadeiras ou falsas as duas últimas afirmações embutidas na página 16 sobre o modelo de trabalho “B”, de que esse modelo “Garante todos os direitos trabalhistas, ainda que isso implique diminuição das oportunidades de trabalho e da renda gerada a partir das plataformas” e que “Garante um salário mínimo (R$ 1.320), por mês, para uma jornada de trabalho de 40h semanais, com direito a repouso remunerado, férias remuneradas e 13º salário”?

São falsas. No modelo de carteira assinada, o salário-base nem sempre é o mínimo, mas corresponde ao chamado “salário normativo”, que é aquele estabelecido nas negociações coletivas entre os sindicatos de trabalhadores e patronais, que são sempre acima do mínimo. No Rio de Janeiro, por exemplo, o piso regional legal atual para motoristas em empresas de transporte de passageiros seria de R$ 1.621,96.[2]

Além do mais, a pergunta do Datafolha desconsidera que, no modelo com proteção trabalhista, os trabalhadores teriam acesso a vários direitos que o modelo autônomo não possui. De fato, cumprindo com a legislação trabalhista, os trabalhadores vão ter acesso a diversos direitos que fazem a base salarial aumentar significativamente, como é o caso da remuneração pelo tempo à disposição do empregador (art. 4º, CLT), e não apenas pelo tempo efetivo de trabalho, sendo remunerado com hora extraordinária com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) acima da oitava hora (art. 59, § 1º, CLT).

Não bastasse o exposto, as empresas costumam divulgar rendimentos brutos, mas esquecem que o que verdadeiramente conta é o rendimento líquido, após os descontos. Pesquisas apontam que a renda líquida de motoristas da Uber é de cerca de 55% (cinquenta e cinco por cento) do seu rendimento bruto, após diversos descontos a título de combustível, depreciação do veículo, seguro, alimentação, etc.  (RIBEIRO; BERARDINELLI; PEIXOTO, 2018), sendo a situação ainda pior para o caso dos entregadores, especialmente com o advento da pandemia (ABÍLIO et al., 2020). Já no modelo celetista, afora os descontos obrigatórios de INSS, FGTS, e vale-transporte, nada pode ser descontado do salário do trabalhador, excepcionados os casos de dano causado pelo empregado e que haja acordo ou dolo da parte dele (art. 462, caput e §1º da CLT).

Não se sabe também de onde a pesquisa tirou “jornada” (rectius carga horária) semanal de 40 horas.

Então, não faz sentido afirmar (ou no caso do Datafolha, embutir nas perguntas) que um modelo de trabalho desprotegido, sem direitos, em modalidade “autônoma”, como defendido pelas plataformas, pode ser mais “favorável” e benéfico ao trabalhador do que um modelo de trabalho protegido, de carteira assinada, com todos os direitos sociais garantidos, principalmente em razão ao aspecto econômico ou financeiro. 

Em linhas finais, a pesquisa Datafolha incorporou nos enunciados das perguntas premissas jurídicas que são objetivamente falsas, contrariando frontalmente o texto de lei, induzindo erroneamente os trabalhadores a escolherem opções que, da forma em que foram construídas, fez parecer o modelo celetista como intrinsecamente menos favorável a eles, violando, assim, os princípios de imparcialidade e transparência que devem marcar as pesquisas estatísticas no país.

Por conseguinte, o Grupo de Pesquisa TRAB21, por meio da análise do método de pesquisa divulgado, propõe que seja feita uma reflexão sobre o resultado apresentado pelo Datafolha. Questiona-se se de fato os entrevistados representam a categoria que se pretende investigar, se suas respostas não foram influenciadas pela forma pela qual foram abordados e pela formulação das perguntas, sob pena de se realizar uma afirmação que pode comprometer os direitos trabalhistas destes trabalhadores. O Datafolha, conjuntamente com as empresas contratantes, poderia tornar públicos alguns dados questionados, o que não torna o estudo imune a indagações, tendo em vista o direcionamento das perguntas e seu conteúdo desamparado no ordenamento jurídico.

REFERÊNCIAS

ABÍLIO, Ludmila Costhek et al. Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a COVID-19. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, v. 3, p. 1–21, 2020. 

IFOOD. Termos e condições de uso iFood para entregadores. Versão 2022. 34p. Disponível em: <https://entregador.ifood.com.br/wp-content/uploads/2023/05/Termos-e-condicoes-v2022_Ajustado1.pdf&gt; . Acesso em 1 junho 2023.

PAIXÃO, Mayara. 6 em cada 10 brasileiros querem mais políticas para migrantes, diz Datafolha. Folha de S. Paulo. 25 maio de 2023. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/05/6-em-cada-10-brasileiros-querem-mais-politicas-para-migrantes-diz-datafolha.shtml&gt;. Acesso em 1 junho 2023.

PESQUISA…Pesquisa traça o perfil dos entregadores de aplicativo: saiba quem são as pessoas que trabalham com delivery por meio de plataformas como iFood, de acordo com o estudo feito pelo Cebrap. iFood News. 12 abr. 2023. Disponível em: https://news.ifood.com.br/pesquisa-traca-o-perfil-dos-entregadores-de-aplicativo/ Acesso em: 31 maio 2023.

RIBEIRO, Hugo Alves Silva; BERARDINELLI, Leonardo Moy Alves; PEIXOTO, Nathane Eva Santos. Uber: Transporte para complementação de renda. 2018. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/326160920. Acesso em: 31 maio 2023.


[1] Decreto nº 11.513, de 1º de maio de 2023

[2] https://sindicatodosrodoviariosrio.com.br/wp-content/uploads/2022/10/CCT-LOCADORA-2022_2023-MR050025.2022-2.pdf