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DIREITO DO TRABALHO PISADO COMO BARATA: JULGAMENTO DE 8 FEVEREIRO, STF E A FALÊNCIA DO PRECEDENTALISMO “À BRASILEIRA”

Rodrigo de Lacerda Carelli

Doutor em Ciências Humanas pelo IESP/UERJ. Coordenador e pesquisador do “Trab21” (UFRJ). Procurador do Trabalho.

Fydel Marcus R. Mota

Doutorando e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal de Pernambuco. Membro dos Grupos de Pesquisa “Direito do Trabalho e Teoria Social Crítica” (UFPE) e “Trab21” (UFRJ).

No conto “A Metamorfose”[1], Franz Kafka nos apresenta a história de um caixeiro-viajante, chamado Gregor Samsa, que, repentinamente, acordou um belo dia e se deu conta de ter se transformado em um “gigantesco inseto”. Pior, como inseto autoconsciente, não conseguia falar ou se mover da cama, além do que, constantemente pensava, estava atrasado para o trabalho e precisava pegar o trem. Os familiares, ao descobrirem, são tomados inicialmente por um sentimento de horror, que é seguido por mistura de repugnância e abominação, e, finalmente, indiferença ao inseto-parente no leito de vida e morte, que, enfim, sucumbe após semanas sem comida e água.

Com o julgamento da Reclamação n. 64.018 marcado para a próxima quinta-feira dia 8 de fevereiro de 2024, o conto kafkaniano vem à memória ao examinar o tratamento que o Supremo Tribunal Federal tem dispensado à Justiça do Trabalho e ao Direito do Trabalho como um todo nos últimos meses, especialmente no que se refere aos temas de vínculo de emprego, pejotização, terceirização e trabalho controlado por empresas proprietárias de plataformas digitais[2].

Diversos artigos têm sido publicado recentemente, especialmente sobre o mérito da Reclamação, no que diz respeito à existência ou não subordinação jurídica entre as empresas proprietárias de plataformas digitais e os trabalhadores dessas plataformas, seja abordando as falácias cometidas pelos defensores da inexistência de vínculo[3], a má compreensão do papel do Direito do Trabalho no sistema capitalista[4], violação aos direitos trabalhistas como violação aos direitos humanos[5], por isso mesmo ensejadora de acionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos[6], a confusão de questões técnicas com político-ideológicas[7], entre diversos outros.

Entretanto, neste curto artigo, queremos tratar da questão sob um aspecto diferente e pouco analisado até aqui, com as máximas e devidas vênias: o STF e a falência do sistema de precedentes no Brasil. Muito mais do que uma impropriedade de índole meramente técnica, os atropelamentos cometidos pela Suprema Corte, data venia, pela via estreita da Reclamação Constitucional, notoriamente descabida para reexaminar fatos e provas já apreciadas pelos Juízes e Tribunais Regionais do Trabalho, soberanos nessa questão, evidenciam não somente a imaturidade, mas a verdadeira bancarrota, a ruína do precedentalismo “à brasileira”[8], que tem como primeira vítima, por motivos inegavelmente ideológicos, o Direito do Trabalho[9].

Imagine você, colega operador do direito civilista, estar-se diante de uma demanda que envolve matéria de fraude ou de vício de consentimento em qualquer cenário de relação cível, digamos “compra e venda de imóvel”, a ensejar alguma das hipóteses de nulidade ou invalidade de negócio jurídico (erro, dolo, coação, etc), e ficar impossibilitado de suscitar essa questão porque o STF tem dito, em Reclamações Constitucionais, que “todo contrato é válido sob qualquer hipótese e não se admite discussão sobre vício de vontade ou qualquer outro tipo de fraude”. E mais, o juiz do seu processo, se cometer o atrevimento de exercer seu papel de julgador e primeiro apreciador dos fatos e provas da causa, não só terá sua decisão cassada por idêntica Reclamação, como também será ameaçado de responder por sua conduta audaciosa na Corregedoria[10].

Imagine você, colega operador do direito criminalista, receber uma intimação para defesa do seu cliente e não poder discutir qualquer questão relacionada à validade da produção de provas pela autoridade policial ou a denúncia promovida pelo Ministério Público, como preservação da cadeia de custódia de prova ou “fruit of the poisonous tree”, porque o STF decidiu que “toda denúncia é válida e não se admite qualquer questionamento de índole fático-probatória”. Imagine você, colega operador do direito tributarista, estar diante de uma execução fiscal promovida pela Fazenda e não poder discutir qualquer questão relacionada à validade da CDA porque o STF decidiu que “Toda CDA é válida e o juiz é proibido de analisar qualquer vício ou questão que demande análise fático-probatória da questão”. Não esqueçamos da ameaça à Corregedoria, claro, e os exemplos podem ser invertidos, e nossos colegas delegados, promotores de justiça e procuradores da fazenda também serem os vitimados.

Os exemplos acima, anedóticos, têm a serventia de ilustrar o nível de absurdez e teratologia que tem ocorrido com o Direito do Trabalho especialmente nos últimos meses, em que o STF, data venia, a pretexto de “pacificar a insegurança jurídica” sobre referidos temas no ramo laboral, tem promovido, ao revés, um verdadeiro cala-boca e amordaçamento em todo um ramo da Justiça Brasileira, valendo-se de instrumentos processuais claramente inapropriados para tal desiderato, vez que a Reclamação Constitucional, como já dito e sobredito, jamais pode avançar sobre matérias que demandam exame fático-probatório, mas meramente realizar o controle de observância às teses jurídicas abstratas emanadas pela órgão.

Não por acaso, nessa novela que se desenrola nos últimos meses, quando ainda não se tinha um cenário de quase-unanimidade, e em que toda semana saíam notícias de decisões monocráticas de Ministros da Suprema Corte sobre subordinação jurídica, pejotização e terceirização[11] (até mesmo de Ministros que hoje mudaram repentinamente de opinião, como o Ministro Fux), várias delas asseveraram o óbvio: se o juiz entendeu, à luz dos fatos e provas produzidos no processo, que houve fraude, ou que estiveram presentes os requisitos de vínculo de emprego do art. 2º e 3º da CLT, ocorre a hipótese de distinguishing[12] autorizado pelo CPC e, portanto, não há aderência estrita entre a decisão discutida em Reclamação e o precedente enunciado como violado pelo reclamante[13].

Isto é, respeitosamente, básico, é “beabá” processual, não só no âmbito trabalhista, mas, especialmente, de onde a própria doutrina do distinguishing se desenvolveu: da ciência processualista-cível, coisa que aluno de segundo ano de graduação já aprende, e que é diuturnamente aplicado no processo do trabalho por força de lacuna normativa (art. 769, CLT). Entretanto, a técnica do distinguishing, ao que nos parece da compreensão da Suprema Corte, não é válida quando se está diante de relações trabalhistas e decisões advindas da Justiça do Trabalho. O juiz trabalhista, nessa visão ideologicamente distorcida, não tem a mesma prerrogativa e autonomia de decidir, de estabelecer norma jurídica ao caso concreto[14], assim como seus pares da Justiça Comum; sua investidura ao cargo de juiz (do trabalho), após regular aprovação em concurso público, continha uma nota de rodapé invisível e somente agora revelada: não pode apreciar fatos e provas, somente deve aplicar as teses abstratas oriundas da Suprema Corte. Deve incorporar-se na antiga figura napoleônica do juiz “bouche de la loi” (boca de lei), atualizado agora para ser a mais nova e atualizadíssima figura do juiz “bouche de la Cour suprême” (boca de Suprema Corte).

O nível de violência institucional de que o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho têm sido vítimas justamente por aquele que deveria ser guardião da Constituição promove profundo sentimento de consternação e estarrecimento; ficará, por certo, manchado na história da Justiça Brasileira como exemplo de “lawfare” institucional cometido não contra um indivíduo ou grupo de pessoas, mas contra um ramo inteiro da própria Justiça, em estranho caso de autofagia político-ideologicamente motivada. Em tempos pós-modernos em que tudo se transforma no seu inverso e tudo é pós-verdade[15], nada mais consentâneo que a Suprema Corte também inverta seu papel institucional: de guardião a desguardião da Constituição.

A violência institucional tem chegado a um ponto que nunca se imaginou. Foi criado o Exame Nacional da Magistratura, como uma etapa obrigatória para todas as pessoas que desejam ser magistradas no Brasil, em qualquer dos ramos. No entanto, não haverá questões de direito do trabalho. Não há a disciplina autônoma do ramo laboral, e, pasme-se!, apesar de constar no edital que em Direito Constitucional poderá haver questões de Direito Constitucional do Trabalho, toda a parte dos direitos fundamentais trabalhistas, do art. 7º ao 11, foram extirpados do programa.[16]

O cenário é agravado quando se verifica que, das mais de cinquenta decisões, entre monocráticas e colegiadas, proferidas pela Suprema Corte nas matérias trabalhistas outrora indicadas (terceirização, pejotização e trabalho controlado por plataforma) somente nos últimos 12 meses, a sua quase totalidade, para não dizer a totalidade[17], referem-se a casos em que os Tribunais do Trabalho efetivamente adentraram ao material fático-probatório e concluíram, no caso concreto, pela existência dos elementos que remetem à existência da fraude, em violação ao art. 9º da CLT, em conjugação com os elementos de vínculo de emprego dos arts. 2º e 3º do mesmo diploma consolidado. Nesses casos, como vem sendo reiteradamente apontado nos artigos e palestras de nossos colegas juslaboralistas[18], em vez de descumprir, os juízes e Tribunais do Trabalho têm cumprido à risca os precedentes da própria Suprema Corte, os quais ressalvaram as hipóteses de fraude e presença dos elementos do vínculo de emprego como hipóteses autorizadoras de não aplicação ou não aderência estrita do precedente com o caso concreto[19]. Em nova e surpreendente inversão, verifica-se que quem descumpre as próprias decisões do Supremo é ele mesmo.

Mas também consterna e surpreende, assim como Gregor Samsa para com seus familiares, o nível de indiferença e passividade dos colegas de outros ramos do Direito, com notáveis exceções[20], com a violência institucional que o Direito do Trabalho tem sofrido, especialmente porque, antes mesmo de se tratar de questão eminentemente trabalhista (vínculo de subordinação jurídica), a primeira vítima não é outra coisa senão a Ciência do Direito Processual e sua (completa) má-aplicação, especialmente no que concerne, como já sobredito, ao capítulo de teoria de precedentes, e não só ele, mas também capítulos de teoria de cognição, produção probatória, e da própria Jurisdição, entre outros; em verdade, a própria autonomia da ciência processual em questão.

A vingar o prenúncio de destruição e início do fim do Direito do Trabalho no próximo dia 8 de fevereiro, em que o STF, se confirmadas as previsões, atropelará, pela via estreita e incabível da Reclamação Constitucional, milhares de artigos, livros, dissertações de mestrado e teses de doutorado de especialistas nacionais e internacionais sobre o assunto de trabalho plataformizado nos últimos quase 10 anos, além de dezenas de decisões de Supremas Cortes de outros países, inclusive de sua maioria considerados “desenvolvidos”[21] (nenhum deles, aliás – livros artigos e decisões – referenciado ou mencionado como manda a melhor doutrina de teoria de precedentes, ao tratar da necessidade de fazer o cotejo analítico dos melhores argumentos das correntes argumentativas contraditórias em questão, ao revés do que vemos ocorrer com julgamentos de outros ramos), todos nós operadores do direito dos diversos ramos devemos iniciar um amplo processo de rediscussão do sistema processual e também do próprio sistema de Justiça brasileiro, baseado nos seguintes (novíssimos) princípios meramente exemplificativos a seguir indicados, sem prejuízo de outros a nascerem das discussões:

  1. Juízes de 1ª e 2ª instância estarão, a partir deste momento em diante, proibidos de interpretar, analisar fatos e provas, fazer distinguishing, ou, enfim, aplicar o direito à espécie. Por isso mesmo os artigos que atribuem competência para processar e julgar aos Tribunais de nível hierárquico inferior ao Supremo Tribunal (art. 109 – Justiça Federal; art. 111 – Justiça do Trabalho; art. 118 – Justiça Eleitoral; art. 122 – Justiça Militar; e art. 125 – Justiças Estaduais) são incompatíveis com a Constituição de 1988[22], em razão do novíssimo princípio nascido e denominado de “Supremacia da Suprema Corte sobre a Constituição”[23];
  2. Todos os incisos do art. 489, §1º, do Código de Processo Civil, que tratam da fundamentação de decisões judiciais, são inconstitucionais, especialmente o inciso VI, uma vez que está proibido invocar distinção no caso em julgamento ou mesmo sua superação; o juiz deve seguir cegamente o enunciado de súmula ou precedente oriundo do STF, em atendimento ao novo princípio da “cegueira deliberada em favor dos precedentes supremos”;
  3. São inconstitucionais todas as hipóteses de invalidação de negócio jurídico previstos no Código Civil de 2002 (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, fraude contra credores e simulação – arts. 138 a 184), uma vez que não é dado ao Juiz conhecer ou apreciar qualquer argumento que mesmo de longe remeta à apreciação de fraude, vício de vontade ou exame de material fático-probatório; todos os documentos apresentados por quaisquer das partes são verdadeiros e legítimos com presunção absoluta (“jure et de jure”), conformando o novo princípio da “prevalência absoluta do documento sobre a realidade”. Em caso de impasse, proceder conforme princípio de n. 4 a seguir;
  4. É flagrantemente inconstitucional o art. 371 do Código de Processo Civil, no trecho em que afirma que o “juiz apreciará a prova constante dos autos”, uma vez que, pelo princípio de n. 1, não é dado ao juiz de esfera nenhuma realizar qualquer apreciação de prova no processo, em atendimento ao novíssimo princípio “da vedação absoluta da apreciação dos fatos e da prova”. Por arrastamento, são inconstitucionais idênticas ou similares disposições no Código de Processo Penal, na parte processual da CLT, CTN e também da legislação eleitoral. Deve o juiz agora procurar a existência de precedente oriundo do STF no site da Corte, e, em caso de inexistência, declarar a hipótese de permissão ao “liquet”[24], que agora é expressamente admitido no ordenamento pátrio, declarando o juiz que o feito não possui resposta válida no ordenamento jurídico e deve aguardar suspenso por tempo indeterminado até decisão abstrata do STF sobre a matéria;
  5. Em razão dos princípios acima enunciados, não será mais necessário juiz de carreira, investido após aprovação em regular concurso público, receber e processar as causas em 1ª instância, pelo que o art. 37, II, da Constituição Federal não é mais aplicável. Serão abertos concursos de “tecnólogos” em direito, cuja atribuição, ao receber a demanda no PJe, será pesquisar no site do STF a existência de algum precedente que se aplique, até mesmo de modo remoto (já que, sabemos, não há necessidade de estrita aderência entre o precedente e o caso trazido ao Judiciário, conforme o STF nos vem ensinando), aplicando referido precedente em caso positivo, e, em caso negativo, proceder conforme princípio n. 4 acima, em observância ao novo princípio da “desnecessidade do juiz togado para julgar processos”, também conhecido como princípio da “suficiência do tecnólogo pesquisador de internet”.

É claro que os “princípios” acima são dotados de certo teor de hipérbole e ironia, pelo que de antemão nos desculpamos com o leitor, mas tal nível de exorbitância é necessária para chamar a atenção para tamanha e desproporcional violência institucional dispensada ao Direito do Trabalho e à Justiça do Trabalho como um todo pela Suprema Corte. Ocorresse o mesmo com o ramo dos nossos colegas civilistas, tributaristas, criminalistas, eleitoralistas, etc, não deixamos de pensar e imaginar os hipotéticos alvoroços, abaixo-assinados, manifestações de cartolina, passeatas e rebuliços institucionais (todos pacíficos, claro) que todos eles fariam (e nós também trabalhistas, unidos à causa) em razão da destruição do sistema constitucional-processual brasileiro e desmonte da Constituição por aquele que foi jungido de protegê-lo e conservá-lo de tais males.

Medo da automação, algoritmos, inteligência artificial e dos robôs substituírem as atividades do Juiz em futuro não tão longínquo?[25] Que nada! Juízes e Desembargadores serão substituídos e substituíveis por uma canetada só do STF, que, em julgamento em sede de Reclamação Constitucional, terá dito, nas entrelinhas, que juízes de 1ª e 2ª instância estão efetiva e terminantemente proibidos de interpretar e examinar material fático-probatório de casos concretos, assumindo, em seu lugar, em futuro não tão distante, tecnólogos do direito, que também ocuparão, por certo, as cadeiras dos promotores, procuradores e advogados, já que não haverá mais necessidade de petições iniciais de ações ou denúncias; bastará a indicação de links da reposição de jurisprudência do STF, seguidos de um “joinha”, em uma nova era “facilitada” do Direito.

Voltando ao nosso caixeiro-viajante trabalhador (e trabalhista) Gregor Samsa, profusamente esperamos que o destino do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, no próximo 8 de fevereiro, não seja o mesmo dele: combalido da indiferença dos seus pares, faleceu em seu leito, privado de água e comida, tratado e pisado como barata, penetrando-lhe a consciência os “primeiros alvores do mundo que havia para além da janela”, e “das ventas correu seu último e fraco suspiro”[26]. Que os amici curiae habilitados no processo possam relembrar o que está em jogo nesse julgamento do dia 8 de fevereiro, muito além de questões de subordinação jurídica e vínculo de emprego; que o STF possa uma vez mais, como tempos de outrora, afastar-se de argumentos político-ideológicos e exercer novamente seu papel de guardião da Constituição e dos direitos humanos fundamentais[27], de que são parte inegavelmente os direitos trabalhistas.


[1] KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Petê Rissatti. 1a edição. Rio de Janeiro: Editora Antofágica, 2020.

[2] Atualmente, a maioria dos acadêmicos e estudiosos convencionou utilizar a nomenclatura “empresas-plataforma” para denominar as empresas que se utilizam desse trabalho plataformizado, como Uber, Ifood, etc. Autores com perfil mais crítico preferem lembrar que essas empresas não são ou não se identificam com a plataforma, mas sim são a sua proprietária, portanto, são empresas proprietárias de plataformas de determinado segmento econômico (assim, Uber seria, nessa denominação, uma “empresa proprietária de plataforma que explora a atividade econômica de transporte de passageiros”, e assim por diante). Quaisquer das denominações podem ser utilizadas, à exceção de “trabalho por aplicativo”, que contém uma compreensão equivocada sobre a forma em que esse trabalho é prestado (afinal, o aplicativo de per si não contém o trabalhador, é a mera interface da plataforma). Para saber mais, cf. CARELLI, Rodrigo de Lacerda; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. As plataformas digitais e o Direito do Trabalho: como entender a tecnologia e proteger as relações de trabalho no século XXI. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021.

[3] LEME, Ana Carolina Paes et al. Sem falácias, a real do 1 bilhão. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-26/opiniao-falacias-real-bilhao/. Acesso em: 4 fev. 2024.

[4] CARELLI, Rodrigo Lacerda. Nota zero ao ministro Alexandre em Direito do Trabalho. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jun-13/rodrigo-carelli-nota-zero-alexandre-direito-trabalho/. Acesso em: 4 fev. 2024.

[5] CARELLI, Rodrigo Lacerda. O STF e o fim do trabalho escravo (e dos acidentes de trabalho). Jornal GGN. Disponível em: https://jornalggn.com.br/justica/o-stf-e-o-fim-do-trabalho-escravo-e-dos-acidentes-de-trabalho/. Acesso em: 4 fev. 2024.

[6] PORTO, Lorena Vasconcelos. Ainda há Juízes em Costa Rica. Empório do Direito. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/ainda-ha-juizes-em-costa-rica. Acesso em: 4 fev. 2024.

[7] LACERDA, Rosangela Rodrigues; VALE, Silvia Teixeira. STF discutirá futuro das relações trabalhistas no Brasil no dia 8/2. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-fev-01/stf-discutira-futuro-das-relacoes-trabalhistas-no-brasil-no-dia-8-2/. Acesso em: 4 fev. 2024.

[8] Como usado por Lênio Streck, ao fazer a crítica da importação cega e antinormativa do sistema de precedentes do Common Law ao sistema judicial brasileiro sem a devida conformação crítica e hermenêutica: STRECK, Lênio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes – Parte II. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-set-29/senso-incomum-critica-teses-defendem-sistema-precedentes-parte-ii/. Acesso em: 5 fev. 2024. Analisando especificamente o caso trabalhista, cf.: STRECK, Lênio Luiz. Ainda sobre a perda do caso concreto na “cultura dos precedentes”. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-21/ainda-sobre-a-perda-do-caso-concreto-na-cultura-dos-precedentes/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[9] Como evidenciado por Grijalbo Coutinho ao analisar as decisões proferidas pelo STF nas últimas décadas contra o Direito do Trabalho, influenciadas por matriz indiscutivelmente ideológica neoliberal. Cf: COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Justiça política do capital: a desconstrução do direito do trabalho por meio de decisões judiciais. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021.

[10] EDITORIAL. STF oficia CNJ sobre decisões da Justiça do Trabalho que ignoram jurisprudência. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-05/stf-oficia-cnj-sobre-decisoes-da-justica-do-trabalho-que-desrespeitam-jurisprudencia/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[11] Aliás, três temas constantemente confundidos entre si e com outros contratos de natureza civil, colocando tudo no mesmo balaio, trazendo uma sequência de precedentes que não dialogam, confundindo, ainda, instrumento de trabalho com meios de produção, como afirmado em: CARELLI, ref. 4.

[12] “[…] em havendo distinção (distinguishing) entre o precedente apontado como paradigma e o caso concreto submetido à apreciação do Julgador, é dever deste proceder à distinção, e não mera faculdade. Isto porque “[…] o direito à distinção é um corolário do princípio da igualdade. A ele corresponde um dever de o órgão julgador proceder à distinção – dever esse consagrado em diversos dispositivos da legislação brasileira. A distinção se impõe na aplicação de qualquer precedente, inclusive os vinculantes (enunciado n. 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis)” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. Salvador: Editora JusPODIVM, 2016, p. 492).

[13] Como afirmado pelo Ministro Edson Fachin em acórdão da Segunda Turma: “[…] A despeito do entendimento desta Corte relativo à compatibilidade dos valores do trabalho e da livre iniciativa com qualquer forma de divisão do trabalho, bem como da compatibilidade com a Constituição Federal de outras formas de contratação que não somente a prevista na CLT, constata-se que o contrato de advogado associado foi afastado diante da constatação, à luz das provas dos autos, da presença dos elementos caracterizadores da existência do vínculo de emprego, nos termos do art. 3º, da CLT, capazes de afastar o contrato celebrado. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a ausência de identidade entre a hipótese versada na reclamação e aquela objeto do processo paradigma revela a falta de aderência estrita, pressuposto necessário ao processamento da reclamação. Logo, os fundamentos que embasam o presente recurso não são suficientes a reforma do que decidido, uma vez que patente se revela a ausência da identidade material sustentada pela parte agravante” (Rcl 55786 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 01-03-2023  PUBLIC 02-03-2023, grifos acrescidos). Mais recentemente, em decisão de 26 de janeiro de 2024, da lavra da Ministra CARMEN LUCIA: “[…] A situação posta na presente reclamação é diversa daquela cuidada nos preceitos apontados como paradigmas de descumprimento. Na espécie, as autoridades reclamadas reconheceram vínculo empregatício entre a beneficiária e os reclamantes, integrantes do mesmo grupo econômico, considerando válido o vínculo empregatício da beneficiária com os reclamantes. 9. Não se comprova descompasso nem estrita aderência entre os atos impugnados e o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 324, da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 48, das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 3.961 e 5.625, por exemplo: […]” (Rcl 65137 / RJ – RIO DE JANEIRO -RECLAMAÇÃO – Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA – Julgamento: 26/01/2024, grifos acrescidos).

[14] “[…] o Magistrado, ao decidir, seja em qualquer tipo de provimento jurisdicional de natureza decisória, cria necessariamente duas normas jurídicas: uma, de caráter geral, que é fruto da sua interpretação/compreensão dos fatos envolvidos na causa, e da sua conformação ao Direito positivo (constituição, leis, etc); e a segunda, de caráter individual, que constitui a sua decisão para aquela situação específica que se lhe põe para análise” (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. Salvador: Editora JusPODIVM, 2016, p. 477).

[15] Post-truth (pós-verdade): relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais, conforme o Dicionário Oxford, como citado em: HANCOCK, Jaime Rubio. Dicionário Oxford dedica sua palavra do ano, ‘pós-verdade’, a Trump e Brexit. EL PAÍS. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/11/16/internacional/1479308638_931299.html. Acesso em: 5 fev. 2024.

[16] Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM. Acesso em 06/02/2024.

[17] Como analisado por André Luiz Barreto de Azevedo, que revisou mais de 50 decisões do Supremo Tribunal Federal em artigo apresentado ao VII RENAPEDTS (Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalho e da Seguridade Social), realizado em setembro de 2023 em Salvador/BA, intitulado “A pejotização irrestrita das relações de trabalho nos serviços: esboços para um exame crítico de decisões jurídicas em reclamações constitucionais do STF” (anais no prelo). Também como analisado por Fabíola Marques: MARQUES, Fabíola. STF e a análise da competência da Justiça do Trabalho. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-01/reflexoes-trabalhistas-stf-analise-competencia-justica-trabalho/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[18] BRANDÃO, Cláudio. O STF, as reclamações trabalhistas e as fraudes. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-dez-11/o-stf-as-reclamacoes-trabalhistas-e-as-fraudes/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[19] Lê-se da fundamentação do voto do Ministro Relator Luís Roberto Barroso na ADPF n. 324: “[…] 65. Nota-se, portanto, com base nas considerações acima, que o que precariza a relação de emprego não é a terceirização, mas seu exercício abusivo. A solução não está, portanto, em vedá-la, mas em definir um regime jurídico que evite abusos. (…) 84. Afirmar que a licitude da terceirização como estratégia negocial, tanto no que respeito à atividade-meio, quanto no que respeita à atividade-fim, não implica, contudo, afirmar que a terceirização pode ser praticada sem quaisquer limites. A prática tem demonstrado – … – que algumas empresas contratadas deixam efetivamente de cumprir obrigações trabalhistas e previdenciárias e que, quando acionadas, constata-se que tais empresas não dispõem de patrimônio para honrar as obrigações assumidas. Ora, se as normas trabalhistas e previdenciárias elementares são descumpridas por algumas contratadas, é de se supor que o mesmo ocorra com normas de saúde e segurança no trabalho. 85. Pois bem. Como já observado, a atuação desvirtuada de algumas terceirizadas não deve ensejar o banimento do instituto da terceirização. Entretanto, a tentativa de utilizá-lo abusivamente, como mecanismo de burla de direitos assegurados aos trabalhadores, tem de ser coibida. Essa é a condição e o limite para que se possa efetivar qualquer contratação terceirizada. […] 92. De fato, embora não haja óbice constitucional à terceirização, diante do quadro traçado inclusive nos memorais ofertados pelos amici curiae, não seria compatível com a Constituição simplesmente reconhecer a sua validade sem estabelecer mecanismos de proteção a direitos cuja obrigatoriedade deriva da própria Constituição e com os quais esse tipo de contratação precisa harmonizar” (ADPF 324, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 30-08-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194  DIVULG 05-09-2019  PUBLIC 06-09-2019, passim, grifos acrescidos).

[20] A exemplo da perspicaz postagem do Desembargador do TJSP Marcelo Semer, na rede social “X”, ao repostar notícia sobre o ofício enviado pelos STF ao CNJ contra juízes do trabalho que “ignoram jurisprudência”: “Curiosamente, essa quase ameaça de interditar a Justiça do Trabalho, por não seguir precedentes do STF (nem sempre similares) jamais se deu quando juízes e tribunais ignoravam precedentes criminais em favor do réu. Há coisas que só a livre iniciativa faz” (SEMER, Marcelo. “STF oficia CNJ sobre decisões da Justiça do Trabalho que desrespeitam precedentes”. X, 6 de dezembro de 2023, 10:25 a.m. Disponível em: “https://twitter.com/marcelo_semer/status/1732390865501385118. Acesso em: 5 fev. 24.

[21] Sem incorrermos, com essa frase, em qualquer vira-latismo ou reproduzirmos mantras coloniais sobre a matéria.

[22] Como sabemos, artigos do Poder Constituinte originário não podem ser declarados inconstitucionais, mas, como repetidamente testemunhamos, contraditoriamente podem deixar de ser aplicados.

[23] Aqui relembramos o “pamprincipiologismo” combatido por Lênio Streck como apropriado para ilustrar a absurdez da situação. Cf.: STRECK, Lenio Luiz. Do pamprincipiologismo à concepção hipossuficiente de princípio. Revista de Informação Legislativa, n. 194, 2012.

[24] Proibição do “non liquet” é conhecida como a vedação do magistrado de se escusar a julgar determinado caso concreto por ausência de regra explícita sobre o tema, podendo se valer, para solucionar o caso, deve se valer de princípios, costumes, princípios gerais do direito, etc. A anedota da permissão do “non liquet” usada neste artigo, reflete, assim, o seu oposto.

[25] Inspirado no artigo de: FERRAZ, Renato. “Robô magistrado”: é o fim dos tempos jurídicos. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-nov-20/robo-magistrado-e-o-fim-dos-tempos-juridicos/. Acesso em: 5 fev. 2024.

[26] KAFKA, ref. 1, p. 93.

[27] Aqui entendidos tanto no aspecto dos direitos previstos na Constituição brasileira como também nos documentos internacionais.

O APOCALIPSE DOS TRABALHADORES NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A morte dos direitos sociais tem data marcada e faz parte de política do STF que não existe em nenhum outro lugar do mundo

Por Rodrigo Carelli, Coordenador do Trab21, Professor da UFRJ e Procurador do Trabalho

O fim está perto. Ao contrário do que fazem algumas seitas ou religiões, que têm o Armagedão como dogma e base da crença, o alerta para o fim próximo dos direitos sociais, tal como acontece com as consequências das mudanças climáticas do Antropoceno, tem boa base científica. O ocaso em até data marcada, quando provavelmente a Suprema Corte dará mais um passo, talvez fatal e definitivo, ao assassinato à proteção social prevista na Constituição da República e prometida pelo Brasil nos pactos internacionais de direitos humanos firmados.

Está marcado para o dia 8 de fevereiro de 2024 julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de dizer, provavelmente com força vinculante aos demais juízes do país, que trabalhadores de plataformas digitais não são empregados e, por isso, não têm direitos. Entretanto, devo alertar sobre a possibilidade de gravidade ainda maior: segundo notícias, há uma probabilidade grande de os ministros da Suprema Corte irem mais além e impedirem o reconhecimento da condição de empregado quando haja qualquer contrato civil formalizado. Seria a inversão completa do que temos hoje: surgiria por criação e obra da Suprema Corte o princípio da primazia do formal sobre a realidade.

A política que o STF quer implementar no Brasil não tem paralelo no mundo. Não há um só país civilizado em que o Poder Judiciário é impedido de verificar a condição de empregado na realidade. Ao contrário, a reclassificação de contratos civis em contratos de emprego é algo extremamente comum nos Estados Unidos, Espanha, Inglaterra, Holanda, Alemanha, Suíça etc. Isso é previsto expressamente pela Recomendação nº 198 da Organização Internacional do Trabalho, que determina que a verificação da realidade se dá nos fatos (item 9) e não no arranjo contratual e que os Estados devem envidar esforços para impedir que os contratos civis sejam utilizados para mascarar verdadeiras relações de emprego (item 4). O princípio da primazia da realidade também é previsto pela jurisprudência vinculante da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

É importante destacar que houve tentativa recente de se colocar um dispositivo na lei francesa que impedisse os juízes de verificarem a existência do vínculo empregatício no caso de plataformas digitais. O Conselho Constitucional francês entendeu a norma inconstitucional, afirmando que nem mesmo o  legislador pode impedir um juiz da República de conhecer os fatos apresentados por um cidadão e decidir conforme o direito, inclusive reconhecendo vínculo empregatício a partir da realidade e não da forma.

Ao fim e ao cabo, a nossa Suprema Corte está indo em sentido completamente contrário ao de seu homólogo europeu: aqui temos a negação explícita de acesso à Justiça do Trabalho e aos direitos fundamentais previstos na Constituição e direitos humanos em tratados internacionais a partir da forma.

O que acontece é claro caso de negacionismo científico. Da mesma forma que os negacionistas do clima, os negacionistas do direito do trabalho não sabem ou não querem saber das consequências de seus atos, e não raras vezes têm raiva de quem sabe. Os cientistas jurídicos, sejam eles constitucionalistas ou laboralistas, alertam, apreensivos, sobre a cegueira que vige na Suprema Corte, mostram o que acontece ao redor do mundo, mas não querem olhar para cima.

Os constitucionalistas se perguntam: onde está a questão constitucional a ser dirimida nesses casos que vêm sendo julgados? Afirmam os ministros do STF: a Suprema Corte já decidiu que são constitucionais outras formas de arranjo contratual que não a relação de emprego. Ora, mas quem é contra tal afirmação? Não houve um só julgado da Justiça do Trabalho que eu tenha conhecimento que tenha passado perto de contrariar tal premissa. Muito ao contrário, em toda declaração de fraude há o pressuposto da existência de um contrato civil em tese válido que não se observa naquele caso concreto. Quando uma decisão judicial diz que o trabalhador foi contratado fraudulentamente por meio de uma pessoa jurídica ela não está negando a possibilidade de contratação de pessoa jurídica, mas sim dizendo que ali, naquele caso, o arranjo contratual foi somente utilizado para mascarar a verdadeira relação jurídica. Da mesma forma, reconhecer a condição de empregado de determinada plataforma digital, em um caso concreto, a partir da realidade, verificando os requisitos da relação de emprego, não é negar a possibilidade que em outras plataformas digitais, ou até na mesma, haja a contratação de autônomos.

Qual artigo da Constituição da República permite afirmar, de antemão, a inexistência da relação de emprego em um caso concreto? Ou pior ainda: qual dispositivo entrega, de maneira geral e abstrata, ao Supremo Tribunal a competência de afirmar que não existe uma relação de emprego de trabalhadores com certo tipo de empresas? Não há, com exceção da carta super trunfo, que vence sempre os direitos sociais: o princípio da liberdade econômica ou livre iniciativa. Mas aí é uma dimensão de terraplanismo jurídico que cabe discutir em outro texto.

Já os laboralistas, como os ecologistas em relação ao clima, alertam para o apocalipse. Se o pior cenário realmente vier, não sobrará mais nada no direito do trabalho. Tanto a Constituição da República, que trata os direitos trabalhistas expressamente como direitos fundamentais, quanto os tratados de direitos humanos assinados pelo Brasil, que trazem uma série grande de direitos trabalhistas, serão completamente esvaziados. Letra mortíssima e enterrada. Quando um mero contrato formal, seja ele um pedaço de papel assinado, ou um clique no computador, puder retirar a condição de empregado, a relação de emprego praticamente não existirá mais. O direito do trabalho, como regulador de concorrência leal, deixando de ser patamar de competição entre empresas, terá se tornado um fardo que impedirá até os empresários humanistas e conscientes de cumprir os direitos sociais.

Assim, haverá uma migração em massa de trabalhadores para contratos civis sem direitos. Consequência lógica será a queda brusca na arrecadação e o colapso próximo do sistema de seguridade social. A renda do trabalhador cairá rapidamente com a ausência de patamares salariais legais e negociados pelos sindicatos e a possibilidade de exploração de horas extraordinárias de forma livre. O trabalho escravo e os acidentes de trabalho grassarão às escondidas, atrás do apagão nas estatísticas. Em breve toda a sociedade sentirá as consequências da precarização total das relações de trabalho. E o Estado Brasileiro não terá atendido aos compromissos assumidos perante a comunidade internacional nos tratados.

O Juízo Final será trazido pelo Olimpo judiciário brasileiro. A maior probabilidade é de que os trabalhadores brasileiros sejam condenados a não terem acesso à Justiça do Trabalho e a não terem direitos. Os direitos sociais terão sido exterminados pela Suprema Corte, suposta guardiã dos direitos fundamentais. A única redenção possível será levar o caso para as cortes internacionais de direitos humanos e apontar, com dados científicos, esse massacre que está em curso no Brasil.