OS MOTORISTAS DA UBER SÃO EMPREGADOS NA ALEMANHA. E OS DA CABIFY, NA ESPANHA.

Negar direitos fundamentais no trabalho é uma escolha política contrária aos compromissos assumidos na Constituição e tratados internacionais de direitos humanos

Por Rodrigo Carelli, professor da UFRJ, coordenador do Trab21

Pegar um Uber na Alemanha é a mesma experiência de qualquer outro lugar do mundo. O aplicativo é o mesmo e a forma de escolha de motoristas também: o algoritmo aponta um preço, seleciona um carro e o motorista aceita ou não a corrida com o valor proposto e a avaliação é feita pelo cliente ao final. No entanto, o cliente da Uber pode até não saber, mas a diferença está na forma de contratação dos trabalhadores: eles são empregados, com todos os direitos fartamente distribuídos na social-democracia alemã reconhecidos. A Uber contrata uma empresa terceirizada e todos os trabalhadores são empregados por essa companhia. Essa situação se deve à firmeza da Justiça germânica, que há anos rejeitou a argumentação que a empresa multinacional distribui ao redor do mundo e que alguns países aceitam.

Essa narrativa de ser uma nova forma de trabalho incompatível com a relação de emprego – e muitas vezes vinda com a afirmação que a incompatibilidade é tamanha que impede até de ter direitos no futuro – é a que vem sendo aceita de forma acrítica pelo Supremo Tribunal Federal, que esta semana analisa novamente a questão, desta vez pelo seu plenário.

Interessante aqui notar que o processo afetado ao plenário tem como parte a Cabify, empresa do ramo de transporte de pessoas, que deixou o país há alguns anos. Pois bem: na Espanha, sua terra de origem, os seus motoristas são empregados, também contratados por terceirizada. Em terras ibéricas, a Cabify e a Uber, não mais defendem que os motoristas sejam autônomos ou empreendedores, mas sim que é possível legalmente terceirizar, modelo que vem sendo duramente questionado pela Inspeção do Trabalho espanhola.

Ou seja, a própria empresa que deu origem ao processo judicial derruba o argumento utilizado pelas empresas e aceito sem maiores preocupações por ministros da Suprema Corte brasileira. Em outros países europeus, as supremas cortes não dão razão jurídica ao argumento de marketing das empresas que se denominam plataformas judiciais, como é o caso da Suíça, França, Holanda e Reino Unido. A esses países vem se juntar agora Portugal, que teve a primeira decisão sobre a relação de emprego na semana passada, sendo reconhecida a condição de empregado de um entregador da Uber.

A Uber, questionada sobre a possibilidade de ter que reconhecer direitos trabalhistas em toda por conta da diretiva que vem sendo discutida em âmbito europeu, afirmou que o reconhecimento do status de empregado não impediria a lucratividade da empresa, que é alcançado tanto na Alemanha quanto na Espanha. Por outro lado, indicou que os preços aumentariam e que ocuparia menos empregados, “concentrando as horas em menos trabalhadores”.

Tudo isso demonstra que a escolha da situação de trabalhadores sem direitos é meramente política. Deixar trabalhadores sem direitos é uma escolha política do Supremo Tribunal Federal de negação de direitos para barateamento de mão de obra, o que é contrário aos compromissos assumidos por nosso país na Constituição e nos tratados internacionais. Do jeito que as coisas andam, o próximo passo pode ser legalizar o trabalho escravo com o objetivo de baratear os custos das empresas, sob o argumento que isso pode garantir emprego para mais pessoas.

2 comentários em “OS MOTORISTAS DA UBER SÃO EMPREGADOS NA ALEMANHA. E OS DA CABIFY, NA ESPANHA.”

  1. É muito interessante isso, professor Rodrigo.

    Estou indo para a Alemanha este ano fazer um doutorado sanduíche e pesquisar sobre o trabalho de motoristas de aplicativos.

    Poderia, se possível, me enviar as suas fontes para me ajudar na pesquisa? Obs: não sou do Direito, faço doutorado em Sociologia Política.

    Agradeço desde já o compartilhamento de informações.

    Atenciosamente

    Thalita B. Sarlo

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