TRIBUNAL HOLANDÊS DETERMINA QUE ENTREGADORES SÃO EMPREGADOS DA PLATAFORMA DELIVEROO

Por Rodrigo Carelli

Na Holanda, em ação coletiva ajuizada pela FNV (Federação Nacional de Sindicatos Holandeses), a Corte de Amsterdam negou que os entregadores da plataforma Deliveroo fossem trabalhadores autônomos, decidindo que seriam aplicados a eles a negociação coletiva dos trabalhadores em transporte de mercadorias. Foi afirmado que o contrato é padronizado, elaborado completa e unilateralmente pela plataforma, e inegociável. Percebeu a corte a existência de uma relação de autoridade entre a empresa e os entregadores e que os sistemas digitais da empresa que ligam os entregadores aos pedidos de entrega de refeições têm um papel central nesse fato, o que resulta, na prática, que a liberdade dos entregadores é consideravelmente menor do que o contrato afirma.[1]

A decisão foi confirmada pelo tribunal recursal, que afirmou que há a presunção de existência de relação de trabalho quando a atividade do trabalhador é realizada no ramo de negócio empresarial, pois há “um alto grau de conhecimento da própria atividade, o que permite dar (antecipadamente) instruções e exercer autoridade a esse respeito”.

Ressaltou que a Deliveroo altera constantemente o contrato com os entregadores e também a forma de organização do trabalho, demonstrando que exerce autoridade em relação aos entregadores. Assim, age como existente um contrato de trabalho, que é um contrato por adesão elaborado pelo empregador, que pode ou não ser aceito pelo trabalhador, enquanto o conteúdo de um contrato civil é negociado entre cliente e contratante. O Tribunal ressaltou o monitoramento constante por GPS realizado pelo algoritmo “Frank” da Deliveroo, entendendo que isso exerce pressão sobre o entregador, podendo verificar sua qualidade de trabalho ao longo do tempo, o que seria uma opção de controle de longo alcance, demonstrando com isso exercer uma forma autoridade.

Importante trazer uma parte dessa decisão, que descreve várias formas de controle que ao final o Tribunal vai entender como próprias de exercício da autoridade de um empregador:

A organização do método de trabalho Deliveroo descrito acima influencia a forma como as atividades são realizadas na prática. Onde anteriormente um número limitado de entregadores era designado para um determinado turno e um entregador designado para aquele momento sabia que havia uma boa chance de ele ser chamado, no Login Free System, um grande número de entregadores são registrados simultaneamente ao mesmo tempo. A competição para ser designado a uma entrega específica, especialmente em situações de tempo favoráveis, tem aumentado. A Federação Nacional dos Sindicatos Holandeses, sem ser contestada, também apontou isso. A atribuição de uma viagem é feita por ‘Frank’, porém – como foi considerado acima – não é claro com base em quais critérios isso é feito exatamente. Isso significa que a Deliveroo, que projetou e adapta continuamente o algoritmo ‘Frank’, está muito envolvida na maneira como o trabalho é executado. Isso é compreensível, porque Deliveroo, por exemplo, apontou que era difícil para ela usar os chamados “pedidos acumulados” (fundamento jurídico 2.7). Inicialmente, a Deliveroo definiu uma remuneração inferior para este (€ 3,75 contra € 6,00 para uma encomenda normal). Os entregadores não acharam isso atraente (o endereço do pedido acumulado pode estar muito longe do endereço do primeiro pedido). A fim de tornar mais atraente pegar esse pedido acumulado, a Deliveroo mudou seu sistema de recompensa para (atualmente) valores distintos fixos para uma viagem curta ou longa, respectivamente, complementados com um bônus quando apropriado (incluindo para uma viagem ininterrupta entrega de um certo número de refeições). A FNV apontou – não contestada pela Deliveroo ou não suficientemente fundamentada – que desde a introdução do Sistema de Login Free os bônus aumentaram enormemente em número e tipos. O fato de tal ter acontecido não parece ilógico ao tribunal, porque a remuneração base para uma viagem caiu drasticamente com a introdução do sistema de Login Free (de € 6,00 por viagem para uma média de € 3,50 ou € 4,80). A concessão de bônus aumenta a capacidade da Deliveroo de influenciar o comportamento dos entregadores (por exemplo, aceitar viagens que os distribuidores não teriam aceitado sem o bônus). O modelo de pagamento adotado unilateralmente pela Deliveroo também indica um envolvimento de longo alcance da Deliveroo no processo de entrega e, portanto, constitui uma indicação de autoridade.[2]

O Tribunal Recursal holandês ressaltou que os restaurantes e clientes veem os entregadores como parte da Deliveroo, e não como empreendedores independentes. Essa visão é incentivada pela empresa pois os clientes podem enviar reclamação diretamente à Deliveroo sobre um entregador específico. Foi ressaltado também o pagamento de um seguro de acidentes por parte da empresa em benefício dos entregadores e que a remuneração paga é tão baixa que torna inviável o pagamento pelos trabalhadores desse seguro. A baixa remuneração, segundo os magistrados, é indicativo da existência de um contrato de trabalho. O Tribunal entendeu existentes vários elementos que indicam a existência de um contrato de trabalho, como forma de pagamento da remuneração e autoridade exercida e que “a liberdade concedida aos distribuidores quanto à execução do trabalho não é incompatível com a qualificação do contrato como de emprego”.

Não cabe em tese recurso dessa decisão, tendo efeito nacional para todos os entregadores da Holanda.


[1] https://www.rechtspraak.nl/Organisatie-en-contact/Organisatie/Rechtbanken/Rechtbank-Amsterdam/Nieuws/Paginas/Bezorgers-Deliveroo-vallen-onder-arbeidsovereenkomst.aspx.

[2] https://uitspraken.rechtspraak.nl/inziendocument?id=ECLI:NL:GHAMS:2021:392