Justiça espanhola entende como ilegal a terceirização da Cabify

Rodrigo Carelli, Coordenador do Trab21, Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Duas decisões no mesmo dia demonstram a distância que há entre o Supremo Tribunal Federal e as cortes europeias.

A notícia de cá dá conta de que a primeira turma da Suprema Corte negou vínculo empregatício entre a Rappi e um entregador, que havia sido reconhecido pela Justiça do Trabalho até no Tribunal Superior do Trabalho.

A notícia da parte mais civilizada do mundo vai em sentido completamente inverso na proteção aos trabalhadores de plataforma digital. A Cabify, na Espanha, tem seus motoristas contratados como empregados por empresas, que cedem esses trabalhadores para realizar o serviço para a plataforma. Para o cliente é a mesma experiência, mas os trabalhadores são reconhecidos como empregados, mas das empresas terceirizadas, não da contratante. O Tribunal Social de Valencia entendeu que se trata de “cesión ilegal de trabajadores”, ou seja, algo como mero fornecimento de mão de obra, e não uma verdadeira terceirização e manteve a autuação realizada pela Inspeção do Trabalho. Os argumentos da decisão foram: 1) que a empresa, como a Uber, é um serviço de transporte, e não mera intermediação digital; 2) que a propriedade dos meios de produção essenciais, a plataforma digital, é de propriedade da Cabify, pela qual todo o trabalho é entregue aos motoristas, sem a qual o serviço não é realizado, ressaltando que nas regras de uso há expressamente a proibição de oferecimento de transporte diretamente aos clientes da Cabify; 3) foi verificado o poder de direção da empresa, por meio da plataforma digital, com indicação de rota, controle por GPS, geolocalização e avaliação dos clientes na própria plataforma, que tem o poder de dispensar os trabalhadores; 4) o preço da corrida é aplicado pela Cabify e controla as horas de trabalho para que o empregador formal pague os motoristas; 5) a imagem dos veículos e dos condutores é estipulada pela Cabify.

Assim, no país europeu o poder judiciário está preocupado não somente com os direitos dos trabalhadores, mas também com que esses sejam efetivos e completos, identificando corretamente o empregador. Verifica-se também que a corte europeia tem os pés fincados na realidade, não sendo seduzida pelos argumentos ideológicos que não têm nenhuma relação com os fatos, como a de auto-empreendedorismo, liberdade de contratação, empresas tecnológicas etc.

Um dia os ventos da civilização e do progresso voltarão a soprar pelas bandas do sul global.

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